“A água do rio já está limpa para nadar, lavar roupa e tomar banho? A gente ainda não sabe”, diz texto de jornalzinho da Fundação Renova distribuído a moradores de Linhares (ES), onde a lama da barragem de Fundão desaguou no mar.
O informativo da entidade bancada por Samarco, Vale e BHP Billiton é de agosto, três meses antes dos dois anos da tragédia. A dúvida é a mesma que atormenta pescadores, donos de hotéis, turistas e moradores da área.
Ao sair da barragem, a composição da lama não era tóxica. Hoje, depende do local. Não há estudos conclusivos sobre os problemas de saúde que ela causou na população que vive nos 650 km devastados pelo tsunami que saiu de Mariana (MG).
O Ibama diz que há dados concretos de que esse foi o maior vazamento de rejeitos minerais do mundo: cerca de 40 bilhões de litros.
No mar, a pesca continua proibida. Também no rio Doce e afluentes, os pescadores temem vender mercadoria contaminada aos clientes.
“Não tiraram a análise do peixe para você pescar, comer e vender. Eu vou pescar peixe contaminado para vender para quem? Para você? Para você depois passar mal, ir no médico e o médico dizer que foi o peixe que você comeu?”, diz Leone Carlos, 70, presidente da associação de pescadores de Regência, praia de Linhares onde fica a foz do rio Doce.
O ICMBio, junto com universidades, chegou a pesquisar e monitorar o oceano depois do rompimento mas faltam recursos para fazer o trabalho da forma adequada.
A Renova apresentou um plano, que foi rejeitado pelo Comitê Interfederativo, órgão criado pelo governo federal para analisar os programas da fundação, que foi criada com o objetivo de reparar o desastre após um acordo das três mineradoras com a União e os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo. O acordo não foi homologado pela Justiça.
Procurado, o presidente da Renova, Roberto Waack, diz que a questão foi definida. Segundo ele, no Espírito Santo a fundação prevê monitoramento marinho feito pelas mesmas universidades federais e o resultado deve sair no primeiro semestre de 2018.
Em Minas, a intenção é abrir editais para contratação de entidades.
A Renova diz que, desde agosto, monitora toda a Bacia do Rio Doce, com 92 pontos de coleta de amostras de água.
CREDIBILIDADE DA ÁGUA
Rio Doce acima, o problema do pescado dá lugar à desconfiança sobre a qualidade da água potável. Em Governador Valadares (MG), cidade onde a captação de água é totalmente dependente do rio, embora laudos apontem que a água está pronta para consumo, a população suspeita.
“Na dúvida, ninguém está tomando. Eu pegava água de uma mina que secou, mas agora bebo só galão de água mineral”, diz o policial militar Marcelo Fernandes, 35.
Dono de empresa de perfuração de poços, Levindo Braga diz que, após o desastre, mais de 20 concorrentes abriram negócios no município.
Parte das residências que têm poços artesianos abrem as torneiras para que os vizinhos se sirvam de água. Nas comunidades rurais, há locais que cobram por esse serviço.
O prefeito da cidade, André Merlo (PSDB), cobra da Renova uma estrutura de captação de água do rio Corrente, que diz ter sido prometida para 2020. A fundação afirma que pretende entregar em 2021.
A LAMA SERÁ RETIRADA?
A resposta é “depende”. Em Barra Longa (MG), a 172 km de Belo Horizonte, 157 milhões de litros foram retirados da praça da cidade e de ruas no entorno, mas a lama permanece nas margens e leito do rio. Como estudos sobre impactos na saúde ainda não foram concluídos, a Renova acha melhor deixar a lama como está.
Enquanto isso, os moradores continuam a conviver com obras. Em Barra Longa, parte do rejeito removido será usado para reconstruir um campo de futebol no parque de exposições -local que a Renova pretende reformar até setembro de 2018.
Para isso, oito famílias que ali vivem irregularmente serão retiradas com a promessa de poderem retornar.
Ao vazar de Fundão, a maior parte da lama de rejeitos estacionou na usina hidrelétrica de Candonga. Foram mais de dez bilhões de litros pressionando a barragem da usina e ameaçando uma nova tragédia. Apareceram trincas.
A Samarco prometeu, em acordo com a União, criar barreiras e retirar a lama situada a até 400 metros de distância da barragem até 31 de dezembro de 2016. O prazo saltou para junho de 2017 e, agora, para junho de 2018.
Até agora foram removidos cerca de 900 milhões de litros para áreas próximas e o trabalho foi paralisado. Faltam 900 milhões no trecho.
Não há previsão do que será feito com o restante da lama de Candonga.
Para o Ministério Público e o Ibama, o rejeito retirado até agora conteve o risco de novos vazamentos. “A situação hoje é que parte do risco de uma nova tragédia relacionada a um eventual estouro de Candonga não existe mais”, diz a presidente do Ibama, Suely Araújo.
Por esticar o prazo, a Samarco pagou uma multa de R$ 6 milhões.
Existem ainda duas grandes multas contra a Samarco, uma do Ibama (R$ 150 milhões) e outra do Estado de Minas Gerais (R$ 125 milhões). A última está sendo paga, em 60 vezes.
No complexo de Germano, conjunto de reservatórios e barragens onde a Samarco depositava o rejeito da mineração e onde fica a barragem de Fundão, foi criado um sistema de barreiras para conter o risco de novos vazamentos, que continuaram a acontecer até ao menos cinco meses após o rompimento.
Agora, a Samarco instalou sirenes e faz monitoramento automático de qualquer movimento de rejeitos no local, o que não existia em 5 de novembro de 2015.
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