19 de dezembro de 2024
Brasil • atualizado em 13/02/2020 às 00:36

Massacre em Manaus é capítulo da disputa entre facções criminosas

Complexo Penitenciário Anísio Jobim tem rebelião desde a tarde de domingo (1º) / Foto: Divulgação/Seap
Complexo Penitenciário Anísio Jobim tem rebelião desde a tarde de domingo (1º) / Foto: Divulgação/Seap

Pese o alto número de mortos e à exceção do ministro da Justiça, Alexandre Moraes, que em outubro chamou de “mera bravata” a disputa entre facções criminosas, o massacre no maior presídio do Amazonas não foi nenhuma surpresa.

Ao que tudo indica, os pelo menos 60 presos mortos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) entre o domingo (1°) e esta segunda (2) fazem parte da cronologia da guerra desatada em junho entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), inicialmente em torno da disputa pela fronteira entre Mato Grosso do Sul e Paraguai, principal porta de entrada de drogas no país.

No dia 15 daquele mês, o traficante Jorge Rafaat Toumani foi morto em Pedro Juan Caballero, fronteira seca com Ponta Porã (MS), em tiroteio cinematográfico que durou 4 horas e envolveu cerca de 70 criminosos. A ação foi atribuída ao PCC.

A partir de meados de outubro, a guerra desatou acertos de conta nos presídios do Norte, consequência de alianças do PCC e do CV com organizações criminosas regionais.

O primeiro acerto de contas foi em Boa Vista (RR), com dez mortos. Seguiu-se Porto Velho (RO), com oito mortos, e depois Rio Branco (AC), onde houve quatro assassinatos dentro dos presídios e cinco nas ruas da cidade em um intervalo de 24 horas. Em todos os casos, as investigações apontaram a guerra entre facções como causa.

Tampouco é novidade a incapacidade dos superlotados sistemas prisionais do Norte em administrar a sua população carcerária.

Em entrevista à Folha logo após as mortes, o secretário de Segurança Pública do Acre, Emylson da Silva, afirmou que, mesmo em estado de alerta, não havia como evitar a violência. “Há dez pessoas dentro de uma cela. Se alguém decide ali que vai executar alguém, fica muito difícil evitar”, admitiu.

A situação é ainda pior em Manaus, a capital mais violenta da região Norte. Ali, o Compaj, com capacidade para 454 presos, abrigava 1.244 detentos em dezembro. Assim como outros secretários de Segurança Pública da região, o amazonense Sérgio Fontes apontou a guerra entre facções como motivação, mas disse que não há como manejar presos devido à falta de vagas.

Os presídios da capital amazonense são o berço da Família do Norte (FDN). Principal facção criminosa da região Norte, é adversária do PCC e apontada pelo governo como mandante do massacre e de dezenas de assassinatos pelas ruas de Manaus nos últimos anos.

Segundo a Polícia Civil do Amazonas, a FDN começou a se estruturar a partir de 2007, em resposta à entrada no Estado do PCC, que buscava controlar a rota da cocaína vinda da Colômbia pelo rio Negro e os postos de venda de Manaus. Entre 2011 e 2012, teria ocorrido a primeira grande onda de assassinatos relacionada à disputa.

Os principais líderes da FDN estão presos no Compaj ou já cumpriram pena no presídio, de onde comandam o tráfico. Tido como líder principal, José Roberto Fernandes Barbosa, o Zé Roberto da Compensa, atualmente cumpre pena no presídio federal de Campo Grande (MS).

A cidade atravessa seu momento mais violento da história. Com uma taxa de homicídio de 48 mortos por 100 mil habitantes (2015), Manaus é a 23ª com mais crimes desse tipo do mundo, segundo o ranking da ONG mexicana Seguridad, Justicia Y Paz.

O crescimento tem sido exponencial: as mortes violentas na capital amazonense, de cerca de 2 milhões de habitantes, aumentaram 134,4% entre 2004 e 2014, de acordo com o Atlas da Violência 2016.

Os números e os diagnósticos dos secretários estaduais de Segurança têm encontrado ouvidos moucos no ministro Moraes. Ao comentar as mortes em presídios do Norte em 18 de outubro, ele negou que havia uma briga de facções no país.

“Às vezes, há mera bravata entre as pessoas que fazem a rebelião. Fora isso, não há nada que indique essa coordenação em vários Estados”, afirmou na época.

Com governos estaduais sem capacidade de resposta e um ministro da Justiça recusando o papel de coordenação que lhe cabe, o massacre no Compaj provavelmente não será o capítulo final dessa guerra. Trata-se mais de onde ela ressurgirá –e com qual grau de violência.

Folhapress

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