18 de dezembro de 2024
Brasil

Lobista da J&F repetia que era dono da maior bancada do Congresso

Sentado à mesa do restaurante Figueira da Vila, em Brasília, Ricardo Saud gostava de repetir que era o dono da maior bancada do Congresso. A políticos que ocupavam cadeiras ao seu redor, o lobista da J&F (dona da JBS, uma das maiores processadoras de carne do mundo) vangloriava-se que a maior bancada da Câmara e do Senado não era a do PMDB, PSDB ou PT. Era a dele.

Ao contrário de empresas como a Odebrecht, que autorizava vários funcionários a acertar pagamentos ilícitos com políticos, a J&F concentrava a função em um único personagem: Saud.

Com tanta responsabilidade e acesso ao poder, passou a ser chamado de “Ricardinho” e se tornou organizador de eventos para parlamentares regados a vinhos caros e carne Friboi, marca da JBS.

Um deles aconteceu em 2014 na casa do então presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Correligionários de Renan, os senadores Eduardo Braga (AM) e Vital do Rêgo (PB) também participaram da festa.

Aquele ano, de eleições majoritárias, foi um dos mais movimentados na carreira do lobista. Seu papel era operacionalizar os pagamentos da JBS a políticos, fossem por meio de doações eleitorais declaradas ou caixa dois.

Mas não era só isso.

Saud era também o responsável por levar os recados dos irmãos Joesley e Wesley Batista à cúpula dos partidos.

Uma das missões, dada em 2014, foi tentar convencer o presidente do PP, Ciro Nogueira, a mudar de lado, abandonando Dilma Rousseff (PT) para apoiar a chapa de Aécio Neves (PSDB) ao Palácio do Planalto.

Em um jantar às vésperas da convenção do PP, Saud entregou a Ciro um pedaço de papel em branco. Pediu para que o senador indicasse o valor que queria da JBS para apoiar o tucano. Ciro, que nega a história, recusou a oferta, segundo a reportagem apurou.

SONHO MEU

O universo político sempre seduziu Saud. Nascido em Uberaba (MG), formou-se em Tecnologia em Gestão de Agronegócio, foi secretário de turismo e tentou se viabilizar como candidato a prefeito da cidade. Não deu certo.

Em 2011, trabalhou para chegar a Brasília. Indicado pelo PP, ocupou uma diretoria no Ministério da Agricultura, na gestão de Wagner Rossi (PMDB-SP), durante o governo de Dilma Rousseff.

Foi ele, inclusive, um dos protagonistas da demissão do ministro. Saud era ligado à empresa Ourofino, que emprestou um jatinho a Rossi. A companhia, porém, havia obtido autorização do ministério para comercializar uma vacina, passaporte para sua entrada num mercado que movimenta cerca de R$ 1 bilhão por ano no Brasil.

O conflito de interesses derrubou Rossi e, consequentemente, Saud. A partir daí, passou a trabalhar com exclusividade para o grupo J&F.

No fim de 2015, porém, os políticos deram falta de Saud. Ele desapareceu de Brasília. Com os avanços da Operação Lava Jato, foi desligado da J&F e enviado para passar um tempo no exterior.

Os donos do frigorífico temiam que Saud configurasse um arquivo vivo e viam nele um potencial delator.

A volta do lobista, que foi readmitido no grupo, deu-se quando a empresa já avaliava fazer um acordo de delação com a Procuradoria.

A colaboração começou a ser estudada após a prisão de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em outubro de 2016. Joesley diz ter dado dinheiro à família do ex-presidente da Câmara com objetivo de evitar que este fizesse acusações contra a empresa relacionadas ao pagamento de propina para liberação de recursos.

Com a mudança, caiu por terra o sonho de Saud, que se filiou ao Solidariedade pouco antes de deixar o país para nova tentativa na política.

Sem chances de voltar a atuar em Brasília e com medo das consequências das revelações feitas por ele e seus chefes e donos da J&F, Joesley e Wesley Batista, Saud se programou para deixar o Brasil novamente.

Um mês depois de fechar o acordo de delação, que inclui ainda os chefes e outros quatro executivos (Valdir Boni, Francisco de Assis e Silva, Florisvaldo Oliveira e Demilton de Castro), Saud organizou seu casamento às pressas. No fim de tarde do dia 3 de maio, telefonou para a namorada e avisou que se casariam dali a três horas.

“Ponha o champanhe pra gelar igual você queria, que vamos fazer aí [em casa] às 21h. Só que é você quem vai ter que comprar”. A conversa está nos áudios interceptados pela PF.

Casados, teriam facilidade para obter os vistos de permanência fora do Brasil. A comemoração foi discreta, diferente das fartas festas que fazia nos tempos de “Ricardinho”.


Leia mais sobre: Brasil