O bolsonarismo, maior movimento político da extrema-direita que alardeia lealdade a vários símbolos conservadores e, em especial, orbita em torno do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), vive crises internas cíclicas, onde o “fogo amigo” virou rotina e parece espantar só quem está fora da roda. E nessa roda, a expressão espanhola “amigos pero no mucho” tem se revelado a qualquer momento, expondo conflitos de interesse gritantes, doa a quem doer, como revelam dez casos selecionados pelo Diário de Goiás e listados ao final.
O cenário sinaliza o que pode parecer uma “desintegração silenciosa” do movimento. Seus membros não seguram a língua diante da combinação incendiária de investigações judiciais, restrições a fake news, perda de poder político e o desgaste natural do discurso extremista que não consegue, por exemplo, aglutinar multidões a favor de uma “punição ao Brasil”, como está acontecendo na atual conjuntura, com o tarifaço vindo dos Estados Unidos pelas próprias mãos bolsonaristas.
Desde que o movimento brotou, com as primeiras instabilidades após a eleição de Bolsonaro, em 2018, parlamentares, militares e até governadores da ala se envolvem em ataques publicamente, sem pudor, como flecha ou alvo. Trocam acusações de traição, oportunismo e até envolvimento com esquemas ilegais. A aparente coesão que sustentava o grupo de “aliados” nos anos mais turbulentos do governo Bolsonaro agora se assume fragmentada publicamente sempre que um desagrada o outro.
São muitos os episódios. Alguns mais antigos e emblemáticos como da ex-deputada e jornalista Joice Hasselmann, que após intensos ataques sofridos de seus aliados, denunciou a existência de uma “quadrilha digital bolsonarista” em plena CPMI das Fake News.
Também está na lista o já falecido Gustavo Bebianno, um ministro ignorado pela família que ele venerava, e que acusou Carlos Bolsonaro, filho do ex-presidente, de tentar montar uma “ABIN paralela”, terminando por ser demitido e morrendo mergulhado na amargura.
Alvos mais recentes
Da turma a virar alvo mais recentemente, há o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), e o deputado mineiro Nikolas Ferreira (PL). Mesmo fazendo a defesa de Jair Bolsonaro em meio ao processo por tentativa de golpe de Estado, ambos foram criticados pelo também filho e deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) em meio à crise diplomática envolvendo tarifas impostas por Donald Trump e a indignação do eleitorado diante de quem pressionou por aumento e não por proteção à economia brasileira.
As trocas de ofensas e abandono de aliados se estendem a nomes como o da antes aguerrida bolsonarista deputada Carla Zambelli. Acabou responsabilizada por Bolsonaro pela derrota eleitoral de 2022 e hoje presa na Itália não sente clamor por si. Também o ex-porta-voz General Otávio Rêgo Barros, isolado pelo Planalto. Até o General Freire Gomes, acusado de ter ameaçado prender Bolsonaro e de mentir em depoimento. Somando até o ex-vice-líder, o ator Alexandre Frota, que se tornou um dos principais inimigos.
Nem a intimidade escapa e Michelle Bolsonaro, casada há 17 anos com o ex-presidente, uma hora é alvo do filho Carlos Bolsonaro, outra do filho Renan Bolsonaro, e por aí seguem. Mas deixamos as brigas de família para ir nos temas ácidos de interesse público.
Dez recortes do “FOGO AMIGO” Bolsonarista
1. Carla Zambelli – Deputada Federal (PL-SP)

- Data: Outubro 2022 / Março 2025
- Quem criticou: Jair Bolsonaro
- Motivo: Ameaça armada em plena campanha eleitoral; Bolsonaro responsabilizou Zambelli pela associação negativa ao armamentismo.
“A Carla Zambelli tirou o mandato da gente.”
2. Joice Hasselmann – Ex-deputada e jornalista
- Data: Dezembro 2019 / Junho 2020
- Quem criticou: Carlos e Eduardo Bolsonaro, Olavo de Carvalho
- Motivo: Denunciou estrutura de milícia digital bolsonarista durante a CPMI das Fake News.

“Tem uma quadrilha espalhada no Brasil”; “Eles escolhem uma pessoa e essa pessoa é massacrada.”
Foi hostilizada com incentivo de Bolsonaro
“Vamos fazer uma seleção melhor (…) tem uma que falava fica em casa, fica em casa, e foi na festa (do Arthur Lira sem máscara durante a pandemia)”
3. Mauro Cid – Ex-ajudante de ordens da Presidência
- Data: Julho 2025
- Quem criticou: Defesa de Bolsonaro (delatado)
- Motivo: Cid afirmou ao STF que Bolsonaro leu e avaliou minuta de golpe e defesa nega atacando o delator.

“Eu vi o presidente tocando a minuta… previa prisão de Moraes e novas eleições”
Defesa rebate:
4. Tarcísio de Freitas – Governador de São Paulo (Republicanos)

- Data: Julho 2025
- Quem criticou: Eduardo Bolsonaro
- Motivo: Adotou postura diplomática e moderada na crise com os EUA, sem defender anistia de Jair Bolsonaro.
“Ensaboado”; “Atrapalha”; “Moderação traiçoeira.”
5. Nikolas Ferreira – Deputado Federal (PL-MG)
- Data: Julho 2025
- Quem criticou: Eduardo Bolsonaro e Alan dos Santos
- Motivo: Publicou crítica ao bolsonarismo e se declarou “ex-bolsonarista”.

6. Romeu Zema – Governador de Minas Gerais (Novo)
- Data: Julho 2025
- Quem criticou: Eduardo Bolsonaro (reação indireta)
- Motivo: Zema considerou que apoio de Eduardo ao tarifaço de Trump causou embaraço à direita.
“Criou um embaraço… causou um problema para a direita.”
Eduardo retrucou: “Turminha da elite financeira”
7. Ronaldo Caiado – Governador de Goiás (União Brasil)
- Data: Março 2020 / Setembro 2024
- Quem criticou: Jair Bolsonaro / bolsonaristas em ato público em Goiânia
- Motivo: Defendeu isolamento social na pandemia e foi chamado de “covarde”.

“Governador covarde! O vírus ia pegar todo mundo, não tinha como fugir do vírus…” dito por Bolsonaro
Também já ouviu de apoiadores do ex-presidente “Filho da p…!”
8. Gustavo Bebianno – Ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência
- Data: Fevereiro 2019 / Morte em março 2020
- Quem criticou: Carlos Bolsonaro (por exposição); depois, o próprio Jair Bolsonaro o demitiu
- Motivo: Primeiro suspeita de financiamento de candidatos laranjas contra Bebiano, depois este denunciou tentativa de Carlos montar uma “ABIN paralela”.
“Mentiroso” – disse Carlos sobre conversa com entre o pai e o então ministro
O que disse Bebiano depois:
“Carlos queria montar uma inteligência com um delegado e três agentes da PF.”
9. General Freire Gomes – Ex-comandante do Exército
- Data: Maio 2025
- Quem criticou: General Braga Neto, candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro
- Motivo: Freire Gomes teria resistido ao plano de golpe e ameaçado prender Bolsonaro; acuado, foi acusado de mentir em depoimentos.

“Cagão” – afirma Braga Neto como o colega de farda e oferece a cabeça dele aos manifestantes
“Jamais mentiria ao STF” – disse Freire Gomes para os ministros
10. General Otávio Rêgo Barros – Ex-porta-voz da Presidência
- Data: Agosto / Outubro 2020
- Quem criticou: Ala ideológica do governo / Carlos Bolsonaro e Fabio Wajngarten
- Motivo: Foi isolado após não conseguir controlar a comunicação com a imprensa nem conter Carlos Bolsonaro.
Foi posto na “geladeira”: “Porta-voz que derreteu”; “Ficou meses sem exercer funções públicas.”

Carlos Bolsonaro ironizava o trabalho dele perante a imprensa e ameaçava:
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