São Paulo – Para sustentar a condenação de empreiteiros denunciados por corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa, a força-tarefa da Operação Lava Jato recorreu à mesma tese jurídica usada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do mensalão. A argumentação pela teoria do domínio do fato aparece nas alegações finais dos procuradores da República contra três ex-executivos da Camargo Corrêa, apresentadas na segunda-feira, 1º, à Justiça Federal no Paraná.
“A teoria do domínio do fato possibilita mais acertada distinção entre autor e partícipe, permitindo melhor a compreensão da coautoria e da figura do autor mediato (mandante do crime)“, sustentam os procuradores nas alegações finais contra Dalton Avancini, ex-presidente da Camargo Corrêa; Eduardo Hermelino Leite, ex-vice-presidente; e João Ricardo Auler, ex-presidente do Conselho de Administração da empreiteira. Aos dois primeiros, ambos delatores da Lava Jato, também é imputado uso de documento falso. Todos foram afastados de seus cargos na companhia ao serem presos na Lava Jato, em novembro do ano passado, e hoje cumprem prisão domiciliar.
“Tal teoria pode se manifestar pelo domínio da vontade, ou seja, quem pratica o fato criminoso é reduzido por algum motivo à vontade de outrem”, afirmam os procuradores, ao responsabilizar os ex-dirigentes pelos crimes. “Neste caso, isso pode ocorrer diante do domínio da organização, teoria aceita em nossos tribunais.”
Esses são os primeiros memoriais apresentados pelo Ministério Público em ação contra integrantes do núcleo empresarial do esquema de cartel e corrupção que teria atuado na Petrobras de 2004 a 2012. Nesta etapa, a acusação reforça o pedido de condenação feito na denúncia, usando como base provas colhidas na fase de instrução.
A defesa terá prazo para contestar as acusações, e depois o juiz dá a sentença, o que é esperado para este mês. Há ainda outras cinco ações contra ex-dirigentes de mais cinco empreiteiras contratadas pela estatal.
Segundo os procuradores, Dalton Avancini, Eduardo Leite e João Ricardo Auler integraram o núcleo empresarial do esquema, que pagava de 1% a 3% de propina a agentes públicos indicados por PT, PMDB e PP em diretorias da Petrobras. Em troca, o grupo controlava e dividia contratos bilionários da estatal – 16 empresas são apontadas como integrantes do cartel. O desvio já reconhecido pela Petrobras é de R$ 6 bilhões.
Multa
Na ação contra o trio de ex-executivos da Camargo Corrêa, os procuradores pedem o “perdimento do produto e proveito dos crimes”, num total de R$ 50,8 milhões, e multa de R$ 343 milhões, correspondente a 3% do valor dos contratos e aditivos mencionados na denúncia, relativos a obras da empreiteira nas refinarias Getúlio Vargas (Repar), no Paraná, e Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, além do Complexo Petroquímico do Rio (Comperj).
Os projetos foram contratados pelo ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa. Ele e o doleiro Alberto Youssef, delatores da Operação Lava Jato, também são réus nesta ação, além do dono da UTC Engenharia, Ricardo Pessoa, e dos “carregadores de mala” Adarico Negromonte e Jayme Alves de Oliveira, o Careca. O executivo Ricardo Pessoa, da UTC, não teve a condenação pedida pela força-tarefa porque fez delação premiada e a parte do processo relativa a ele foi desmembrada da ação original.
Guerra
O uso da teoria do domínio do fato contra os ex-executivos da Camargo Corrêa indica que a tese será adotada para importar aos demais integrantes do cartel que teria atuado na Petrobras o papel de liderança no esquema.
“Outras denúncias ainda virão, estamos em guerra contra a corrupção”, afirmou o procurador Deltan MartinazzoDallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato.
“Os delitos consequentes da moderna criminalidade (como crimes macroeconômicos e societários) possuem algumas características peculiares, erigindo novas questões, inclusive em torno de autoria, conforme já se vem reconhecendo e enfrentando”, escreveram os procuradores nos memoriais.
Voto
No documento, de 152 páginas, os procuradores da República citam o voto da ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber durante o julgamento do mensalão. O juiz federal Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato na 1ª instância, atuou como auxiliar da ministra no processo na Corte.
“Mal comparando, nos crimes de guerra punem-se, em geral, os generais estrategistas que, desde seus gabinetes, planejam os ataques, e não os simples soldados que os executam, sempre dominados pela subserviência da inerente subordinação”, escreveu Rosa Weber na ocasião.
“Do mesmo modo nos crimes empresariais a imputação, em regra, deve recair sobre os dirigentes, o órgão de controle, que traça os limites e a qualidade da ação que há de ser desenvolvida pelos demais.”
A ministra do Supremo sustentou ainda que “domina o fato quem detém o poder de desistir e mudar a rota da ação criminosa”. “Uma ordem do responsável seria o suficiente para não existir o comportamento típico. Desse modo no crime com utilização da empresa, autor é o dirigente ou dirigentes que podem evitar que o resultado ocorra”, escreveu Rosa Weber.
(Fonte: Estadão Conteúdo)
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