A Operação Lava Jato é um espelho da Mãos Limpas, investigação realizada na Itália há 25 anos, segundo o procurador Rodrigo Chemim, autor de um livro que compara as duas apurações. Em entrevista, ele diz que a Lava Jato corre riscos, com os projetos de anistia e as discussões no Supremo sobre rever acordos de delação, mas há um elemento em cena que não existia na Itália no passado: redes sociais.
Pergunta – Por que comparar a Lava Jato com operação italiana que é tida como um fracasso?
Rodrigo Chemim – O que me atraiu no estudo da Mãos Limpas foi tentar compreender porque ela é considerada um fracasso. Depois de aprofundar a análise, posso dizer que essa pecha não é justa. A operação foi um sucesso em termos de investigação, desvelando e desestruturando um amplo sistema de corrupção e desvio de verbas para os políticos e seus partidos, das mais diferentes colorações ideológicas, alcançando 4.500 pessoas. Descontadas as prescrições e as leis que aboliram crimes, o resultado foi de apenas 5% de absolvição no mérito.
De onde vem então essa noção de fracasso?
Das inúmeras leis posteriores à operação que descriminalizaram condutas, reduziram penas e prazos prescricionais e até anistiaram crimes. Os efeitos da investigação foram neutralizados pela ampla intervenção negativa do Poder Legislativo. Vem daí a sensação de fracasso, pois os políticos entenderam que, mesmo surpreendidos em situações criminosas escandalosas, sempre é possível apagar o risco de efetiva condenação. Isso tudo, somado à falta de investimentos em educação para a cidadania, fazem com que a Itália hoje seja tão corrupta quanto era há 25 anos.
Quais são os pontos em comum entre as investigações?
As semelhanças são surpreendentes e perturbadoras. O dinheiro público desviado na Itália vinha, em parte, da petrolífera estatal italiana, assim como aqui vinha da Petrobras, e em parte das obras superfaturadas com as maiores empreiteiras do país. Lá, como aqui, o dinheiro foi desviado tanto para custear os partidos políticos, lavados em “caixa dois”, quanto para encher os bolsos de parlamentares.
As reações dos políticos italianos foram as mesmas dos brasileiros. Os sucessivos primeiros-ministros Bettino Craxi, Silvio Berlusconi e Massimo D’Alema alegaram que eram perseguidos e vítimas de um golpe, argumentando que tudo não passava de criminalização da política. Tacharam os investigadores de estarem agindo motivados por ideologia política contrária.
Há risco de a Lava Jato fracassar como a Mãos Limpas?
O risco é concreto e pode vir tanto pelo Parlamento, quanto pela “liberdade” interpretativa do Judiciário. Já se vê iniciativas que visam minar a atuação de investigadores e do Judiciário, a exemplo da lei de abuso de autoridade. Somam-se a isso iniciativas de aprovar leis de anistia na calada da noite. As recentes manifestações do ministro Gilmar Mendes de rever os termos do acordo de colaboração da JBS, já homologado pelo ministro Edson Fachin, ou de rever a posição do Supremo quanto ao início de execução da pena, também preocupam.
É possível evitar no Brasil as intervenções políticas que fizeram as Mãos Limpas acabar em impunidade?
A vantagem do Brasil em relação à Itália de 25 anos atrás é que hoje temos as redes sociais permitindo uma ampla e rápida mobilização popular de controle social e de reação. O risco maior se dará quando a atenção da mídia diminuir.
Na Itália os políticos se aproveitaram dessa lacuna de atenção para promover as mudanças legislativas que os beneficiaram. É preciso estar vigilante ao Congresso, notadamente na reforma do novo Código de Processo Penal que está em curso e que muito pouca atenção é dada pela mídia.
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