Desdobramento da Lava Jato, a operação “O Recebedor” procurou avaliar a suposta prática de cartel por grandes empresas que atuaram na construção do trecho Norte da Ferrovia Norte Sul, em Goiás. Perícia criminal apurou que a atuação dos grupos de empresas teria resultado na celebração de contratos com sobrepreço de mais de R$ 230 milhões, em valores não corrigidos. Atualizados superam R$ 600 milhões.
As investigações foram iniciadas ainda em 2009, quando Juquinha das Neves ainda era o presidente da Valec, estatal responsável pela construção da Ferrovia Norte Sul. 37 pessoas foram processadas, sendo 27 físicas e 10 jurídicas.
Nesta fase da operação ninguém foi preso e não foi pedida a prisão de ninguém. O motivo é que teoricamente não há mais a suposta prática de cartel. Foram realizados 44 mandados de busca e apreensão. 10 ações judiciais foram abertas somente em Goiás. Investigações sobre o tema ocorrem ainda em outros sete estados.
O esquema
Segundo o procurador da República Hélio Telho Corrêa Filho, o suposto esquema criminoso teve início ainda em 1987, ano em que se iniciou a construção da Norte Sul. As obras foram paralisadas.
As investigações indicam que a partir da retomada da construção em larga escala no início da década passada, executivos das principais empreiteiras do país se uniram, teriam realizado acordo de divisão de lotes, combinado preços e ofereciam propostas não competitivas (de cobertura, apenas para simular a competição), assim eliminavam a concorrência no mercado de construção ferroviária, caracterizando a prática de cartel.
O procurador Hélio Telho constatou que a Valec também teria colaborado para a suposta atividade ilícita, por exemplo, mudando regras de editais, dificultando a participação de outras empresas. Não era permitido em alguns processos a formação de consórcios, excluía-se assim a união de pequenas empresas.
Outro ponto era que a Valec teria feito uma série de exigências, o que no entender do Ministério Público Federal direcionou a licitação para algumas empresas.
“A Valec além de exigir que as empresas antes já tivessem fornecido dormentes de concreto, proibia que consórcios fossem formados e que empresas oferecessem lances para mais de dois lotes”, destacou.
Hélio Telho avalia que as empresas acabaram dominando o mercado, manipulava e levava arbitrariamente os preços (sobrepreço), maximizaram, assim, seus lucros em prejuízo da Administração Pública. O cartel teve início ainda no ano 2000 e se manteve após as últimas licitações realizadas no ano de 2011.
Denunciados
Foram denunciados o então diretor-presidente e o diretor de engenharia da Valec, José Francisco das Neves (mais conhecido como Juquinha) e Ulisses Assad, respectivamente. Além deles, foram denunciados João Ricardo Auler (diretor da Camargo Corrêa); José Ivanildo Santos Lopes (superintendente da Queiroz Galvão); Rafael Mundim Rezende (sócio-administrador da Evolução Engenharia); Heli Lopes Dourado (sócio-administrador de Heli Dourado Advogados Associados); Juarez José Lopes de Macedo (proprietário e administrador da Elccom Engenharia) e Josias Gonzaga Cardoso (ex-assessor do presidente da Valec) (clique aqui e confira os crimes imputados a cada um dos denunciados).
Juquinha
De acordo com o procurador Hélio Telho, o ex-diretor presidente da Valec, Juquinha das Neves não era o chefe da suposta prática ilegal, mas sim as próprias empresas. As investigações indicam que o cartel na estatal antecede a gestão dele.
“Já temos notícias desde 1987. Ele foi cooptado pelo esquema. Teve uma fase inicial com poucas empresas que começaram a atuar e depois o cartel passou por mudanças, consolidação e foram agregadas outras grandes empresas do mercado de infraestrutura”, explicou o procurador.
Quando assumiu ele teria recebido propinas para ajudar na manutenção por anos da provável atividade ilícita. De duas empresas a investigação indica que ele teria recebido R$ 2,24 milhões. Em outra ocasião, novamente Juquinha teria recebido da Camargo Corrêa quase R$ 900 mil em propina. O dinheiro teria sido pago em quatro parcelas ao longo de 2010 e 2011.
De acordo com o MP, as investigações referentes às irregularidades nas obras da Ferrovia Norte-Sul, já resultaram na instauração de 10 ações judiciais, entre cíveis e criminais, e o processamento de 37 envolvidos, entre eles 8 empreiteiras (Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, Constran S/A, Aterpa, Ebate, Ecoplan e STE), além dos principais integrantes da diretoria da Valec.
Prejuízos e ressarcimento
As investigações indicam que os prejuízos aos cofres públicos superam R$ 600 milhões em valores atualizados, apenas no trecho da ferrovia que corta Goiás. O MPF/GO busca na Justiça este valor para ressarcimento pelos envolvidos.
Judicialmente, o procurador Hélio Telho informou que já estão bloqueados quase R$140 milhões em bens e dinheiro. Recentemente, a Camargo Corrêa concordou em devolver outros R$ 75 milhões por meio de acordo de leniência, que na prática seria uma espécie de Colaboração (Delação) Premiada para pessoa jurídica
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