A Justiça Federal atendeu a pedido do Ministério Público Federal (MPF) em ação cautelar e determinou a imediata suspensão de uma autorização concedida pelo estado de Goiás para atividades agropecuárias de duas empresas que, segundo a denúncia, estariam em área pertencente ao território quilombola Kalunga. Entretanto, via nota, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) informa que só expediu autorização para atuação fora da reserva. Leia a íntegra da nota da secretaria ao final.
A ação do MPF aponta que a Semad tinha autorizado a utilização de 530 hectares de uma fazenda localizada em Cavalcante sem ouvir a comunidade Kalunga o que é exigido em face de ser patrimônio cultural. “A Convenção nº 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho], com status supralegal, determina, em seu artigo 6º, que os povos interessados devem ser consultados por meio de seus representantes e em processos apropriados, sempre que se prevejam medidas administrativas que possam afetá-los diretamente. Essa consulta (…) deve ocorrer antes da adoção de quaisquer atos que afetem seus territórios”, pontua a decisão judicial.
Com a decisão da Justiça Federal, a autorização fica suspensa até que seja demonstrado o cumprimento integral das normas legais e convencionais relativas à consulta prévia, livre e informada ao povo tradicional. Expedida na última sexta-feira (11), a decisão da Justiça Federal ainda determina que as empresas envolvidas deixem de realizar quaisquer atividades de natureza agrícola, pecuária ou de manejo ambiental na referida área, no prazo de 15 dias, sob pena de multa diária em caso de descumprimento.
Área foi desmatada em 2019 e 2020
Conforme o MPF, a área localizada em Cavalcante já havia sido alvo de desmatamento ilegal, entre 2019 e 2020, pelas duas empresas que agora “pretendem realizar agricultura de sequeiro (técnica agrícola para o cultivo de plantas em regiões com pouca chuva), agricultura irrigada, integração de lavoura/pecuária extensiva e semiextensiva/floresta no local”.
Ainda segundo divulgou o MPF nesta terça-feira (15), as atividades continuaram sendo realizadas mesmo após autuações ambientais anteriores e compromissos assumidos em Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e em Acordo de Não Persecução Penal (ANPP). A ação cita que os acordos foram utilizados indevidamente como justificativa para novas intervenções, o que caracteriza um risco à regeneração da vegetação e às nascentes da região, como o Rio Prata, fundamental para o abastecimento das comunidades locais.
Contudo, a Semad assegura que a autorização dada e contestada pelo MPF na Justiça Federal “é para uma área 100% fora do território Kalunga”. Acrescenta inclusive que existe sim uma área explorada pelas empresas que fica dentro da reserva, mas esta não foi licenciada, ao contrário, foi autuada e embargada pela secretaria.
Confira abaixo as explicações enviadas onde estaria ocorrendo uma confusão entre as áreas apontadas na ação, conforme a Semad.
NOTA – SEMAD
“A respeito da decisão judicial mencionada pela reportagem, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável esclarece o seguinte:
– A autorização da Semad que foi objeto de contestação do MPF é para uma área 100% fora do território Kalunga. Já a área da propriedade que fica dentro do território quilombola (e que já foi objeto de autuação e embargo) não tem licença ambiental. Importante ressaltar que o decreto estadual 9.710/2020 dispensou o licenciamento para atividade agropecuária até dezembro de 2025.
HISTÓRICO DO CASO
- A empresa proprietária do imóvel rural que foi objeto da notícia foi autuada em junho de 2020, pela Semad, por desmatar aproximadamente 527 hectares de vegetação nativa. A área foi embargada.
- No dia 04 de fevereiro de 2021, foi firmado o termo de audiência de composição entre a Semad e o autuado, para tratar das pendências administrativas decorrentes do ato ilícito.
- Em 29 de setembro de 2022, foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) do qual também participaram, além do dono da propriedade e da Semad, a promotora local, um procurador da República e o prefeito de Cavalcante, entre outros.
- Entre as obrigações que o TAC estabeleceu, destacam-se: 1) a reparação do dano de 530 hectares desmatados, com proposta de compensação de 1,2 mil hectares; 2) indenização de R$ 210 mil, dos quais R$ 200 mil pagos à comunidade Kalunga e R$ 10 mil para Secretaria Municipal de Meio Ambiente.
- Para regularização do dano, o autuado apresentou (conforme prevê a lei 21.231/2022) uma Declaração Ambiental do Imóvel (DAI) de números 2023577, 20231536 e 202494. Todas foram indeferidas por proporem, como regularização, menos do que dispõe a lei 21.231/2022.
- Em janeiro de 2025, o autuado apresentou a DAI 202495, que foi aprovada com a obrigação de apresentar 1,2 mil hectares de servidão ambiental averbada à margem da matrícula, reposição florestal referente a área desmatada, e obtenção de licenças de pecuária e agricultura, conforme cláusula terceira do TCA.
- Em 26 de janeiro de 2024, uma área de 504 hectares foi desembargada pela Semad, em razão do cumprimento da averbação da servidão.
- O Incra se manifestou dizendo não ter restrições ao uso da terra para fins de atividades pecuária e agricultura.
- Em 06/02/2025, a Semad desembargou os 22 hectares que restavam embargados e o proprietário voltou a desfrutar do direito, garantido por lei, de converter o uso do solo para outras atividades, desde que esteja com a documentação regulamentada.
Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – Governo de Goiás
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