19 de novembro de 2024
Cidades

Justiça mantém “Dona Íris” em nome de hospital

A juíza Jussara Cristina Oliveira Louza, da 3ª Vara da Fazenda Pública Municipal, deu sentença em que mantém a denominação de Hospital da Mulher e Maternidade Dona Íris. A ação foi movida pelo promotor Fernando Krebs contra a prefeitura de Goiânia.

Na decisão, a juíza considera que “Trata-se, pois, de questão bastante peculiar onde o nome da pessoa viva fora atribuído ao bem público antes mesmo da promulgação da lei que passou a vedar esse tipo de denominação e até mesmo antes da Constituição Federal de 1988”. 

Veja a íntegra da decisão:


 

Processo : 201302274966
Natureza : Ação Civil Pública
Autor : Ministério Público
Requerido : Município de Goiânia

Vistos etc.,

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por seu ilustre representante legal, propôs a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA com pedido liminar, em desfavor do MUNICÍPIO DE GOIÂNIA, ambos devidamente qualificados nos autos.


Diz o autor, em resumo, que a Secretaria Municipal de Saúde reinaugurou no dia 12 de junho de 2012, o Hospital da Mulher e Maternidade Dona Íris, na Vila Redenção, nesta Capital.
Prossegue, alegando que é notório que a homenageada ‘Dona Íris’, senhora Íris de Araújo Rezende Machado, é pessoa viva, eleita em 2006 como deputada federal pelo PMDB e, posteriormente, reeleita em 2010, cargo político que ocupa até o presente momento.
Aduz, ainda, que foi instaurado inquérito civil público em maio de 2013 com o objetivo de investigar tal irregularidade, posto ser vedado atribuir nome de pessoa viva a bem público, de qualquer natureza, vulnerando, assim, o princípio da impessoalidade, bem como o preceituado artigo 1º, da Lei nº 6.454/77.
Em resposta à recomendação ministerial enviada ao Secretário Municipal de Saúde para a alteração do nome do referido nosocômio, afirma o autor que o Município de Goiânia mostrou-se relutante em adotar as medidas necessárias para tanto.
Juntou documentos de fls. 13/31.
O pedido liminar foi apreciado e indeferido, conforme se vê na decisão de fls. 35/36.
Devidamente citado, o Município de Goiânia contestou a ação às fls. 44/47, afirmando que alegações do autor não procedem, posto que o nome foi atribuído ao prédio público há muitos anos atrás, sendo que nem mesmo a vedação contida na Lei nº 6.454/77 e os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade que emanam da Constituição Federal de 1988, alcançam este largo período pretérito.
Aduz, que por tais motivos, há de se reconhecer que o Município de Goiânia possui direito adquirido a este nome, já que a legislação anterior não pode retroagir para prejudicar, sob pena de afronta a este princípio constitucional estampado no artigo 5º, inciso XXXVI.
Arremata, alegando que a Maternidade Dona Íris já se consolidou como referência regional, sendo que a alteração de seu nome causaria enormes transtornos e confusão tanto quanto à administração quanto aos cidadãos que já se acostumaram com tal referência. Ressalta, ainda, que o nome do hospital fora dado quando a pessoa de ‘Dona Íris’ em questão sequer ocupava um cargo público, não procedendo a alegação do autor de que se trata de uma homenagem a político, com conotação de promoção pessoal.
Na fase probatória, ambas as partes não se manifestaram.
Foi determinada, de ofício, a juntada do ato administrativo que deu nome ao Hospital da Mulher e Maternidade Dona Íris pelo Município Requerido, bem como oficiado junto ao Estado de Goiás, o qual enviou os documentos juntados às fls. 148/150.
O processo está em ordem e seguiu todos os trâmites legais.
É o relatório, em apertada síntese, e decido.
Esclareço, inicialmente, que não foi realizada audiência de instrução e julgamento, porque a questão de mérito é unicamente de direito, não havendo necessidade, pois, de produção de prova testemunhal, ensejando, com isso, o julgamento antecipado dos pedidos iniciais, na forma do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil.
Vale esclarecer, ainda, que o autor informou nos autos a interposição de Agravo de Instrumento perante o egrégio Tribunal de Justiça deste Estado (fls. 72), entretanto, percebe-se que o referido recurso não fora devidamente protocolado no tribunal ad quem, uma vez que as razões recursais foram protocoladas como simples petição, conforme se vê às fls. 51/63, o que foi confirmado pelo próprio autor às fls. 179.
Inexistindo preliminares arguidas, presentes os pressupostos processuais e as condições da ação, passo ao exame do mérito.
Cuidam os presentes autos de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público contra o Município de Goiânia, objetivando a alteração do nome do Hospital da Mulher e Maternidade Dona Íris, localizado nesta Capital, em virtude da notória ilegalidade do nome do referido nosocômio, por se tratar do nome de uma pessoa viva dada a um bem público.
Com efeito, o artigo 37, caput, da Constituição Federal consagra como princípio da Administração Pública a impessoalidade, dispondo em seu § 1º que ‘a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
Nesse mesmo sentido, a Lei Federal nº 6.454/77 determina que:

‘Art. 1º – É proibido, em todo o território nacional, atribuir nome de pessoa viva ou que tenha se notabilizado pela defesa ou exploração de mão de obra escrava, em qualquer modalidade, a bem público, de qualquer natureza, pertencente à União ou às pessoas jurídicas da administração indireta.’

Tal vedação também foi reproduzida no âmbito do Município de Goiânia somente em 04/10/2011 através da Lei Municipal nº 9.079. Vejamos:

‘Art. 1º. Em todo o território de Goiânia fica proibido atribuir nome de pessoa viva a bem público, de qualquer natureza, pertencente ao Município ou às pessoas jurídicas da Administração Indireta.’

Infere-se destarte, que tais regras buscam, a um só tempo, atender aos princípios constitucionais da moralidade e impessoalidade, assegurando o interesse público e o cumprimento dos deveres previstos na Constituição Federal e demais leis infraconstitucionais, independentemente da esfera de Poder.
Pois bem. Compulsando os autos, vejo que o autor insurge-se contra o nome dado ao Hospital da Mulher e Maternidade Dona Íris, uma vez que tal nome faz menção à pessoa viva.
Ora, em que pese não haver nos autos documento que comprove de forma cabal a data em que o aludido nome fora atribuído ao referido nosocômio, consta nos autos cópia de um decreto municipal (fls. 159), datado de 27/04/1976, no qual está registrado que o nome de tal hospital como sendo ‘Maternidade Dona Íris’, ou seja, o nome da pessoa de ‘Íris de Araújo Rezende Machado’ foi atribuído ao respectivo nosocômio há pelo menos 37 (trinta e sete) anos.
Trata-se, pois, de questão bastante peculiar onde o nome da pessoa viva fora atribuído ao bem público antes mesmo da promulgação da lei que passou a vedar esse tipo de denominação e até mesmo antes da Constituição Federal de 1988.
Além disso, vale frisar que a denominação dada ao hospital e maternidade em tela já se tornou arraigada na comunidade do Município de Goiânia e populações vizinhas, já que tal centro médico é referência na região, sendo que seu nome foi questionado só agora, não tendo, entretanto, sido comprovado qualquer prejuízo à municipalidade até então.
Nesse diapasão, considerando, ainda, que a troca do nome do bem público ocasionará não só um novo processo legislativo, mas a modificação das fachadas, a alteração de todo material utilizado no hospital, como guias médicas, uniformes, lençóis, entre outros, tem-se que, longe de beneficiar ou conceder vantagem a qualquer indivíduo, a modificação do nome do hospital importará, agora sim, em um enorme dispêndio aos cofres públicos, o qual terá que arcar com toda a troca por novos materiais.
Assim, contrabalanceando com tais ponderações, certo é que o caso em comento exige solução em valoração aos princípios da proporcionalidade e da economicidade, porquanto não há como conceber a retirada e alteração do nome dado ao hospital há quase 04 (quatro) décadas sem levar em consideração que tal ato acarretará mais malefícios do que benefícios à Administração Publico e à sociedade.
Nesse sentido, é a jurisprudência:

‘REEXAME NECESSÁRIO – AÇÃO POPULAR – PRÉDIOS PÚBLICOS – DENOMINAÇÃO – HOMENAGEM A PESSOAS VIVAS – ATOS ADMINISTRATIVOS PRATICADOS ENTRE OS ANOS 70 E 80 – PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E ECONOMICIDADE – LESIVIDADE INVERSA. Muito embora seja cabível a propositura de ação popular a fim de coibir e anular os atos atentatórios ao princípio da moralidade administrativa, remanesce a necessidade de o autor comprovar a sua efetiva lesividade. Desse modo, considerando que as homenagens prestadas a pessoas vivas ocorreu há muito, o retorno ao status quo ante, ao contrário do que se busca privilegiar com o remédio constitucional em comento, causaria lesão inversa, na medida em que implicaria novo processo legislativo, mudança das fachadas dos prédios, entre outras despesas, fato que afronta aos princípios da proporcionalidade e economicidade.’ (TJSC, Reexame Necessário n. 2007.026839-7, de Rio do Sul, rel. Des. Volnei Carlin, j. 22-11-2007).

Diante disso, frisa-se que, longe de favorecer qualquer indivíduo ou mesmo promover pessoa pública, a manutenção do nome do Hospital da Mulher e Maternidade Dona Íris é medida mais ponderada e adequada ao caso concreto.
Ante o exposto, julgo improcedente o pedido inicial, nos termos do artigo 269, inciso I do Código de Processo Civil.

Sem custas e honorários advocatícios.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Goiânia, 30 de julho de 2014.

JUSSARA CRISTINA OLIVEIRA LOUZA
Juíza de Direito
3ª Vara da Fazenda Pública Municipal
e Registros Públicos


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