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Museus de história natural são centros de pesquisa, atrações públicas e podem servir também como lojas de tesouros naturais. Muitos deles, também podem ser utilizados para eventos para financiarem-se. Daí, casamentos, cerimônias de premiação, jantares de gala e conferências podem ser realizados. Muitas vezes, isso não é um problema. Às vezes, é muito.
O Museu Americano de História Natural tem sido alvo de críticas desde que foi anunciado que daqui um mês, no dia 14 de maio, o presidente da República Jair Bolsonaro receberá uma homenagem naquele local. Não se trata de uma homenagem do Museu, mas sim, da Câmara de Comércio Brasileiro-Americana, que concedeu a Bolsonaro a honraria de pessoa do ano. A alegação da Câmara é o presidente é uma pessoa “particularmente instrumental em forjar laços estreito entre as duas nações”. O evento em anos anteriores não teve tanto holofote. O deste ano não seria diferente se não fosse o envolvimento de Jair Bolsonaro. Entenderemos:
Eleito presidente, Bolsonaro rapidamente se moveu para minar as proteções para a floresta amazônica. Abri-la para agricultura e mineração e tomar o controle de terras e comunidades indígenas. Ele fez piadas com essas comunidades e não bastasse isso, elogiou o extermínio histórico dos povos nativos. Apesar de falar que os estudantes brasileiros devem focar na ciência e se “preocuparem menos com política”, Bolsonaro congelou quase metade dos gastos científicos no Brasil. Para variar, “suas declarações têm sido frequentemente racistas, misóginas e homofóbicas”. A definição é da Revista norte-americana The Atlantic, especializada em ciência política.
Para estar presente na cerimônia, é necessário desembolsar cerca de 30 mil dólares em uma mesa para 10 pessoas. Os ingressos já se esgotaram.
Cientistas brasileiros como o herpetólogo Henrique costa e a ecologista Ana Carnaval chamaram atenção para o assunto no mês passado mas a questão esquentou na quinta-feira depois de uma matéria publicada na revista novaiorquina Gothamist publicou que o “presidente de ultradireita do Brasil Jair Bolsonaro será homenageado em gala no Museu de História Natural.”
Alexandra Walling, uma estudante de pós-graduação que estuda vírus, disse que estava “indignada, mas não surpresa” em uma discussão amplamente compartilhada no Twitter. “AMNH afirma se preocupar com a biodiversidade e a mudança climática – eles certamente empregam cientistas que estudam essas coisas – mas eles pegam o dinheiro de pessoas que vêem o mundo todo queimando seus bolsos”, escreveu Walling.
A matéria provocou um alvoroço e enfrentou críticas do público e até de cientistas que trabalham na instituição. O Museu publicou na noite da mesma quarta-feira em sua conta no Twitter uma declaração explicando que o evento era externo, privado e havia sido agendado antes da escolha do homenageado. O museu expressou ainda sua profunda preocupação e anunciou que estava “explorando nossas opções”.
Anne Canty, uma porta-voz do Museu, enviou um comunicado dizendo: “O evento externo e privado em que o atual presidente do Brasil deve ser homenageado foi agendado no Museu antes de a homenageada ser garantida. Estamos profundamente preocupados, e o evento não reflete de forma alguma a posição do Museu de que há uma necessidade urgente de conservar a Floresta Amazônica, que tem implicações tão profundas para a diversidade biológica, comunidades indígenas, mudanças climáticas e a saúde futura de nossas comunidades. Planeta. Estamos explorando nossas opções. ”
O site Gothamist é uma iniciativa de jornalismo sem fins lucrativos operado pela rádio pública WNYC, uma das principais estações da rede National Public Radio. A reportagem sobre o prêmio ao presidente brasileiro cita um cientista anônimo da equipe do Museu de História Natural, afirmando que ele e seus colegas estavam chocados e que “ninguém acredita ser aceitável” sediar um evento de premiação a Bolsonaro.
O Gothamist diz também que críticos brasileiros e americanos destacaram as posições de Bolsonaro abraçando abertamente a homofobia, a misoginia e o racismo, além de de suas declarações em favor de retrocessos na proteção do meio ambiente – uma questão sensível especialmente para o Museu de História Natural.
“É uma ironia amarga que, como dizem os críticos, o homem determinado a destruir um dos recursos mais preciosos do mundo vai ser consagrado Pessoa do Ano em um espaço dedicado à celebração do mundo natural”, diz o artigo do Gothamist.
O Museu de História Natural de Nova York abriga uma das maiores coleções do gênero no mundo e é um favorito de crianças e estudantes por ostentar galerias com fósseis de dinossauros, como o Tyrannossaurus rex e pelo Planetário Hayden. Recebe mais de 4 milhões de visitantes por ano, além de servir de residência temporária para mais de 1.000 acadêmicos de dezenas de países.
O museu acaba de dar a partida para celebração de seus 150 anos com uma série de exposições ricas em instalações interativas e multimídia.
Ao polêmica sobre a festa para Jair Bolsonaro emerge em momento de publicidade negativa causada por doadores controversos. Em janeiro de 2018, o Museu de História Natural foi alvo de protestos de rua e abaixo-assinados de acadêmicos pela presença da doadora Rebekah Mercer em seu comitê de diretores. Mercer e seu pai, o bilionário Robert Mercer, são ultraconservadores associados à negação da mudança climática, financiaram o site extremista Breitbart e apoiaram financeiramente a campanha de Donald Trump à Casa Branca.
No último, ano, o museu se tornou também alvo de uma campanha contra a família Sackler, proprietária do laboratório Purdue Pharma, fabricante do analgésico à base de morfina OxyContin, responsável pela epidemia de mortes por overdoses de opiáceos nos Estados Unidos, como explica esta reportagem de VEJA. O museu já recebeu 5.6 milhões de dólares da família Sackler em doações.
A pressão aumentou depois de, em março, o museu Guggenheim de Nova York e a National Portrait Gallery, de Londres, terem anunciado que não vão mais aceitar doações da família Sackler.
Em um país sem Lei Rouanet nem Ministério da Cultura, como os Estados Unidos, as artes e os centros culturais e científicos dependem pesadamente da generosidade de milionários e bilionários. Os dólares vêm com a expectativa de rebatizar prédios, galerias e programas com o sobrenome dos patronos.
Mas, nesse mesmo país em que a polarização política alcança níveis históricos e o financiamento de eleições por interesses corporativos não tem limites, a tradição resumida pelo velho ditado “a cavalo dado não se olham os dentes” virou um desafio para essas instituições.
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