Em uma queda de braço com outras entidades, representantes da indústria de alimentos têm aumentado a pressão junto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para incluir um modelo próprio de alerta sobre o teor de açúcar, gordura e sódio no rótulos dos produtos.
Hoje, as novas regras que mudarão as embalagens são alvo de discussão na Anvisa. O objetivo é ajudar o consumidor a fazer escolhas mais saudáveis e criar ferramentas para deter o avanço da obesidade no país, problema que atinge 18,9% da população adulta.
Relatório inicial da equipe técnica da Anvisa, no entanto, deu parecer negativo à proposta da indústria, que defende a inclusão de uma espécie de “semáforo nutricional” na frente dos rótulos.
Agora, a Abia (Associação Brasileira das Indústrias de Alimentação) pressiona para pôr um modelo próprio de volta na mesa de discussões. Segundo o presidente-executivo da associação, João Dornellas, uma nova proposta foi apresentada nesta semana.
O modelo, ao qual a reportagem teve acesso, mantém o formato de semáforo, mas passa a trazer frases que indicam alto, médio ou baixo teor de açúcar, sódio e gorduras junto às cores vermelha, amarela e verde com maior destaque.
Antes, a proposta enviada à agência dava menor espaço às cores e usava letras e números pequenos.
A medida representa nova ofensiva da indústria na tentativa de reverter a avaliação favorável da Anvisa a modelos semelhantes aos defendidos pela Opas (Organização Pan-americana de Saúde) e entidades de defesa do consumidor.
Por essas propostas, o rótulo traria um símbolo de advertência sempre que há excesso de um desses ingredientes apontados como fatores de risco para obesidade e doenças crônicas. Não haveria, assim, sinais diferentes para baixo ou médio teor, assim como ocorre no semáforo.
O argumento de entidades pró-consumidores é que essa mistura de informações poderia levar a uma interpretação errada sobre quão saudável é um produto.
Já a indústria alega que modelos de advertência subestimam o poder de decisão do consumidor. “Quando bem informado, ele tem o direito de fazer suas escolhas.
Mas esse modelo parte da premissa de que ele não tem autonomia ou não sabe escolher”, diz Wilson Mello, presidente do conselho diretor da Abia.
Na última semana, representantes das indústrias dos países do Mercosul estiveram em Brasília e assinaram uma carta em que defendem que uma eventual mudança nos rótulos seja acordada de forma única entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai.
“Ter legislações diferentes em cada um dos países só vai atrapalhar o processo de integração vai inviabilizar o comércio exterior. Imagina cada indústria ter que preparar um tipo de embalagem para cada um dos países?”, diz Mello.
Em outra frente, a Abia obteve uma liminar que prorroga até o dia 24 de julho o final do prazo de uma consulta pública que terminaria na terça-feira (10).
O argumento é que o prazo de 45 dias, que coincidiu com a greve dos caminhoneiros e Copa do Mundo, seria insuficiente para apresentar estudos e discutir o relatório. Também poderia colocar em risco a comprovação técnica do impacto da mudança, informa.
A Anvisa afirma que já reativou a consulta, mas que pretende recorrer da decisão.
Para o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), a tentativa da indústria em estender o processo causa estranheza. “O momento para que setores da sociedade enviassem suas propostas, modelos de rotulagem e estudos já foi aberto e respeitado. Esse tipo de manobra é uma tentativa de adiar o processo”, afirmou em nota o advogado do instituto, Igor Rodrigues.
Até esta terça, 2.858 pessoas já tinham enviado sugestões ao processo. Deste total, 60% se identificaram como consumidores e, 18%, como profissionais de saúde.
A Anvisa afirma que ainda não finalizou a análise das contribuições. A previsão é que uma proposta de norma com base nas sugestões seja elaborada até o fim deste ano.
Apesar da disputa entre as entidades, em um ponto a maioria dos que participaram da consulta concorda: é preciso mudar os rótulos.
Ao todo, 90% dos que enviaram sugestões para a consulta disseram ter grande dificuldade em identificar o teor nutricional dos alimentos com base nas informações das embalagens atuais, segundo estatísticas preliminares da Anvisa.
A agência afirma que todas as propostas serão avaliadas e consideradas na decisão final e diz que o relatório fez uma avaliação robusta do cenário internacional e da literatura científica disponível. (Folhapress)
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