05 de dezembro de 2025
FOGO DO VIZINHO

Incêndios criminosos em Goiás: saiba como o produtor rural pode se proteger e buscar indenização

Casos de queimadas provocadas por terceiros aumentam no estado; especialistas explicam como reunir provas, acionar a Justiça e prevenir prejuízos
Incêndios florestais podem gerar demandas por indenização - Foto: arquivo / Secom Goiás
Incêndios florestais podem gerar demandas por indenização - Foto: arquivo / Secom Goiás

Em um imóvel localizado em Piracanjuba, há algumas semanas, o fogo colocado por um peão de uma fazenda vizinha entrou no imóvel da família de João (nome fictício) e, para tristeza de todos, destruiu produtos estocados para alimentar as criações, matando algumas e ameaçando destruir as construções da propriedade. 

O caso não é isolado, se repete cada vez mais e, especialmente enquanto a temporada de chuvas não chega para valer, desperta reflexões sobre quais medidas um produtor rural pode e deve tomar quando sofre esse tipo de prejuízo.

É importante lembrar que o Corpo de Bombeiros estima que apenas 5% dos focos de incêndios florestais em Goiás sejam naturais (raios ou reflexos de vidro, por exemplo), contra assombrosos 95% de focos criminosos, ou seja, que começaram por culpa ou provocados (dolo) por alguém.

Ação humana agrava fator 30/30/30

Não bastasse a ação humana, o Cerrado de Goiás, muito inflamável, é impactado pela combinação do chamado fator 30/30/30: umidade do ar abaixo de 30%, temperatura do ar acima de 30 °C e ventos com velocidade acima de 30 km/h.

As preocupações tomam corpo especialmente nesta época em que os incêndios florestais consomem milhares de hectares, atingindo áreas em torno de 220 dos 246 municípios goianos. Tudo isso em meio a um regime de chuvas cada vez mais curto ou irregular.

Este ano, de 1º de julho para cá, os bombeiros de Goiás registraram 6.337 atendimentos sobre fogo em vegetação, contra 5.766 no mesmo período de 2024, ou seja, 571 focos a mais que os do ano anterior. O número representa ainda quase 90 focos a cada 24 horas nos 71 dias do período destacado a pedido da reportagem do Diário de Goiás.

Prisões em flagrante já somam 15 e 50 inquéritos instaurados

Os órgãos ambientais têm dificuldade de fazer os flagrantes, mas, mesmo assim, apenas este ano a Delegacia Estadual do Meio Ambiente (Dema) prendeu 15 pessoas flagradas colocando fogo. Além disso, já instaurou 50 inquéritos para investigar suspeitas de incêndio criminoso.

luziano carvalho
Delegado do Meio Ambiente, Luziano Carvalho, orienta sobre perícias – Foto: arquivo

O titular da Dema, delegado Luziano de Carvalho, acredita, inclusive, que o número de focos no período crítico, que só ameniza em outubro e conforme o regime de chuvas de cada ano, seja superior ao indicado pelo Corpo de Bombeiros. Esse ano ele acredita que os casos já tenham chegado a 1 mil a mais que o registrado em 2024, já que os bombeiros não são acionados para todos.

Sob a ótica da delegacia, o dano ao proprietário que é vítima não é objeto de atuação, já que o foco é o dano ambiental. “A Dema lida com o crime contra o meio ambiente. Não é com o direito civil. Na área ambiental temos três esferas: civil, criminal e administrativo. E isso [dano ao proprietário atingido pelo fogo vizinho] envolve a questão da indenização que deve ser buscada pela vítima”, indica ele.

Por outro lado, a delegacia é um dos canais seguros para o produtor que teve a área queimada obter provas, já que o ônus de provar ao Judiciário de que houve dano por crime é da vítima que faz a denúncia. Luziano explica que a Dema pode fornecer ao proprietário afetado cópias de perícias e autos de investigação que comprovem a origem de danos para que os interessados busquem seus direitos na esfera do Judiciário. Para isso, claro, o dano ambiental tem que ter sido denunciado e apurado pela delegacia.

Imagens de satélite são instrumento, orienta especialista em agronegócio

Entre os instrumentos possíveis de serem utilizados pelos produtores lesados pelo “fogo alheio”, estão as imagens de satélite. É o que orienta o advogado especialista em agronegócio do Escritório Lara Martins Advogados, André Aidar. Ele destaca que houve clientes na região de Santa Helena que perderam grandes plantações em incêndios causados por terceiros, que fizeram uso desse tipo de prova.

André Aidar advogado especialista em Agronegócios do escritório Lara Foto redes sociais
André Aidar advogado especialista em Agronegócios – Foto redes sociais

“Esse tipo de responsabilidade, chamada de responsabilidade civil subjetiva, depende da comprovação da culpa de quem causou o dano. E quem tem que comprovar essa culpa é quem alega ter sofrido o dano. Então, todo o ônus da prova é da vítima, certo? E, eventualmente, você tem meios, hoje até mesmo por satélite, para definir ali se foi um incêndio provocado”, frisa.

Casos de danos graves e de perigo

Por outro lado, ele enfatiza que cada dia mais reduz a tendência de fogo provocado pelos próprios produtores para, por exemplo, limpar a palhada de um canavial, mas os casos que persistem, quando saem do controle, geram grande destruição, como ocorreu com um cliente de Santa Helena de Goiás há alguns anos. “Houve perda de gado e perda de maquinário dos vizinhos ao redor”, citou.

O caso foi próximo de uma usina de álcool, que também correu risco, e teve grande impacto e repercussão porque o canavial queimado pelo dono, que saiu do controle, era de um fornecedor da usina, chegando a ser discutida até a responsabilidade solidária da mesma.

Provas, ações de reparação e de prevenção são recomendáveis

Além das provas e estar preparado para mover ações de reparação nos casos de danos causados pelo fogo provocado por terceiros, o especialista reforça que ajuda muito o produtor ter um plano de contingência para casos de uma emergência.

“Esse plano de contingência pode ser feito através de consultorias especializadas, que preparam o produtor para tomar as primeiras medidas no caso de uma situação como essa [fogo alheio], mas, acima de tudo, a profissionalização da produção rural, que leva a benefícios vários, inclusive nessa questão dos riscos de incêndio”, orienta.

Especialista da Faeg alerta sobre ônus da prova e registro da ocorrência

O problema chama a atenção mesmo diante da mudança de atitude da maioria dos produtores que hoje evitam o fogo não apenas por limitações da legislação ambiental, mas até por visão econômica, visando evitar o empobrecimento dos solos. É o que aponta o engenheiro-agrônomo Thiago Castro, responsável pela área de meio ambiente e recursos hídricos da Federação da Agricultura de Goiás (Faeg).

Thiago Castro – Agrônomo consultor da Faeg – Foto divulgação

Ele lembra que, no final de 2024 foi publicada uma instrução normativa federal que aumenta as penalidades para o fogo criminoso e “inverte o ônus da prova para o produtor rural ter que provar que fez alguma coisa para combater um incêndio e tentar se livrar dessa situação”.

Diante disso, explica o engenheiro da Faeg, a orientação aos produtores rurais que a questão dos focos de incêndio indica três passos fundamentais.

Primeiro passo

“Primeiro, em caso de fogo, acionar o Corpo de Bombeiros e fazer um boletim de ocorrência, independentemente se o Corpo de Bombeiros vai ou não [para ter a] prova de que não foi um crime doloso. Que ele não teve a culpa direto, não foi a culpa do produtor rural”.

Segundo passo

Em segundo lugar, ele orienta que sejam abertos aceiros prévios nas propriedades e que esse trabalho “tenha sido todo documentando”, o que também servirá de prova dos cuidados.

Terceiro passo

Por fim, está a orientação de criar uma brigada de incêndio com pessoas do imóvel e da região. “Não falo de um galpão, um caminhão parado, um avião parado. Uma brigada de incêndio são produtores que têm um grupo de WhatsApp, por exemplo, que um têm um caminhão-pipa, o outro tem abafadores. Se pegou fogo, chama esse pessoal e tenta debelar o mais rápido possível”, acrescenta.

As orientações, lembra Thiago Castro, ajudam a evitar um dano causado não só pelo proprietário, mas ainda o fogo de causas naturais, como raio, um fio elétrico que rompe, um viajante que joga a bituca de cigarro acesa na estrada, ou aquele que põe fogo de propósito.


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