O impacto causado pelas novidades trazidas pela plataforma chinesa de inteligência artificial (IA) DeepSeek é visto por especialistas como “a nova corrida à lua, só que uma corrida digital”. Tanto que, um dia após causar uma violenta queda no valor de mercado de empresas de tecnologia, surpreendendo os Estados Unidos, a plataforma chinesa está sofrendo um ciberataque e por isso está restringindo novos acessos nesta terça-feira (28), informou o portal especializado Techtudo.
A comparação do impacto da plataforma como uma corrida à Lua, parte do professor de inteligência artificial e cofundador do Centro de Excelência em IA da Universidade Federal de Goiás (UFG), Celso Camilo. Em entrevista ao Diário de Goiás, ele destacou nesta terça que a DeepSeek, na verdade, já está na sua versão 3 e foi o lançamento dessa última versão que abalou o mercado.
Camilo, inclusive, não descarta que o lançamento da versão nova, que oferece resultados bons de IA com um modelo menor e, portanto, mais competitivo, tenha sido estrategicamente feito nesse momento, se referindo ao contexto geopolítico. Os EUA estão à frente do mercado de IAs e possuem agora um novo presidente com perfil nacionalista radical que se opõe diariamente à China.
O professor salienta que “Donald Trump vem defendendo a bandeira da soberania nacional dos EUA e a IA é parte desse processo de soberania”.
Caminho era natural
De todo modo, explica Camilo, o método que a DeepSeek está usando e o resultado que eles alcançaram não é surpresa para quem é da área da pesquisa, do desenvolvimento de IA, na academia de forma geral. “É um movimento que a gente já esperava que ia acontecer e vem acontecendo”, cita.
Além disso, detalha o professor, ela não é a primeira IA a concluir um resultado com modelos menores, mas há um diferencial. “O grande diferencial da DeepSeek é que ela conseguiu chegar em resultados comparáveis aos grandes, como a OpenAI, o ChatPT, com um custo de treinamento da IA muito menor. Então, provavelmente, o custo dela é um décimo do treinamento das grandes, dos modelos abertos e grandes. Então, o grande diferencial dela é fazer o mesmo, ter a mesma eficácia com maior eficiência, ou seja, com menor custo”.
E esse menor custo, observa, representa um menor investimento de máquina, menor investimento financeiro, menos recurso de energia, etc. “O mundo todo se interessa por isso, né? Caiu a ação da Nvidia [poderosa empresa dos EUA que perdeu quase 600 bilhões de dólares só na segunda-feira por causa da DeepSeek], porque reduz a necessidade de GPUs [Unidade de Processamento Gráfico], de placas. Caiu a ação de datacenters, e caiu porque mostra a viabilidade da tese de que dá para fazer o mesmo, ou até melhor, com menos”, completa o professor.
Momento propício para a corrida à lua
Olhando para o contexto da democratização do acesso à IA, ele ainda aponta que “quando se desloca isso pra outro eixo que não os EUA, dos Big Techs americanos, também é um momento propício [para novas plataformas de IA]”.
“É uma coisa que mostra que a coisa deve ser mais democrática. Não é uma coisa que só uma, duas, três empresas vão dominar. O caminho é reduzir modelos, para que mais pessoas possam usar, e é o que vai acontecer. Ninguém vai ficar parado, cruzando os braços, esperando só duas, três empresas”, aposta.
Empresa chinesa é focada em pesquisa e desenvolvimento
O fato de ser desenvolvida pela China também não surpreende, observa o especialista. Segundo ele, a DeepSeed é uma empresa de pesquisa e desenvolvimento ligada ao mundo do venture capital [capital de risco], criada em 2023. “Ela não é estatal, não é instituição científica universitária. É uma empresa que visa lucro, como as demais, mas que vem da China. E que é de pesquisa e desenvolvimento”, pontua.
A versão que está causando turbulência, chamada de DeepSeek-R1, e que já é o aplicativo mais baixado em Iphones, foi lançada há menos de dez dias. Conforme o jornal O Globo, em 20 de janeiro, foi lançado ao público pelo fundador, Liang Wenfeng, que compareceu a um simpósio a portas fechadas para empresários e especialistas, organizado pelo premiê chinês Li Qiang, de acordo com a agência de notícias estatal Xinhua.
Camilo prossegue comparando a DeepSeek: “É uma empresa, assim como as grandes como a Google, a própria OpenAI, que têm uma espécie de universidade, pessoas com doutorado, um grupo de researchers [pesquisadores], que mantém essa coisa do desenvolvimento na fronteira. Hoje, a fronteira na computação não é só dentro da universidade, que ela é desenvolvida nas universidades mundiais. Ela também é desenvolvida nas grandes empresas, que têm, também, pesquisadores pra essa finalidade”, aborda Camilo.
Impacto ao consumidor é muito positivo
Perguntado como isso deve impactar as populações, ele destaca: “Para o consumidor é saudável. Toda competição é necessariamente saudável. Ela traz ali redução do custo para o consumidor, ela traz capacidade de mais empresas entrarem e disponibilizarem soluções. Isso do ponto de vista, eu costumo dizer que é a guerra, não é a guerra não, é a corrida à lua, né? A nova corrida à lua, a corrida à lua digital, virtual”.
Os resultados, aponta ele, vão respingar em outras tecnologias, “em outras aplicações, outras soluções, que virão nas diferentes áreas, vão vir na saúde, na educação. Tudo isso vai chegar ainda mais rápido com essa pulverização de possibilidades, de soluções de empresas. O monopólio ou o grupo de poucas empresas fornecendo o mesmo serviço é ruim. Então, para o usuário final é positivo.
Ciberataque contra DeepSeek
Questionando também se ele acredita em um viés de mercado ou até político no ciberataque que afetou a DeepSeek nesta terça, Camilo disse que é difícil dizer. O problema foi relatado por usuários pelas redes sociais.
Parece que estão tentando derrubar o site da @deepseek_ai, ou eles não estão preparados pra demanda.
— Felipe Sarandini (@Sarandini) January 28, 2025
*Devido a ataques maliciosos em larga escala nos serviços do DeepSeek, o registro pode estar ocupado. Aguarde e tente novamente. Usuários registrados podem fazer login normalmente pic.twitter.com/PjtVCloh2G
Por outro lado, o especialista observou que outras IAs, como a OpenAI e a Google também recebem diariamente um volume de ataque significativo. “Isso [ciberataque] não é uma exclusividade da DeepSeek. É claro que nesse momento que ela está no holofote, vai ter maior. E provavelmente, pela característica da defesa, deve ser um ataque do tipo que a gente chama de DDS, D-O-S, que é para você tentar derrubar o serviço com uma enxurrada de solicitações”.
Segundo o Techtudo a plataforma amanheceu exibindo a mensagem “Devido a ataques maliciosos em grande escala aos serviços do DeepSeek, o registro pode estar lento. Aguarde e tente novamente. Usuários registrados podem fazer login normalmente. Obrigado pela sua compreensão e apoio”. Apenas aqueles que criaram uma conta podem fazer login e usar o chatbot normalmente.
“A dificuldade de acesso pode ser o primeiro desafio da nova IA. Além da falha no login, também houve relatos de demora para processar prompts e gerar respostas. Alguns usuários foram surpreendidos com mensagens de que a ferramenta estava “enfrentando um alto volume de tráfego” e não conseguiria atender a demanda”, publicou o portal.
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