Dois dos maiores hospitais brasileiros especializados em câncer infantil -o Centro Infantil Boldrini e o Graacc- decidiram não utilizar o medicamento LeugiNase, de origem chinesa, no tratamento de crianças com leucemia.
O remédio passou a ser importado no começo do ano pelo governo brasileiro para distribuição no SUS (Sistema Único de Saúde), mas os hospitais questionam a sua segurança e a sua eficácia no tratamento dos pacientes.
Duas análises feitas a pedido do Boldrini, o maior hospital especializado em câncer infantil da América Latina, localizado em Campinas (a 97 km de São Paulo), apontam graus elevados de impureza no medicamento chinês.
Na análise do Laboratório Nacional de Biociências, ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, foi encontrado 130 vezes mais impureza do que o medicamento originado nos EUA e na Europa, até então usados pelo governo antes da troca.
Na análise do laboratório americano MS Bioworks, apenas 60% do medicamento chinês corresponde ao princípio ativo asparaginase. Os outros 40% são de proteínas contaminantes. Na comparação, o produto alemão tem 99,5% de asparaginase e apenas 0,5% de contaminantes.
Instituições como a Sobrafo (Sociedade Brasileira de Farmacêuticos em Oncologia) e a ABHH (Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular) já solicitaram esclarecimento ao Ministério da Saúde quanto à segurança e eficácia do medicamento.
De acordo com a presidente e fundadora do Boldrini, a pediatra Silvia Brandalise, a presença das proteínas contaminantes detectadas na análise pode aumentar a chance da produção de anticorpos que neutralizariam o efeito da asparaginase.
“Não podemos correr riscos. Nossa preocupação é com a eficácia. A asparaginase é um dos medicamentos usados e pode garantir sobrevida de 80% a um paciente com leucemia. Do contrário, isso cai para menos de 10%”, afirmou.
COMPRA
Os hospitais estão usando recursos próprios, vindos de doações, por exemplo, para importar o remédio mais seguro. O Graacc importa o produto alemão, enquanto o Boldrini está trazendo a asparaginase americana.
No Boldrini, de 60 a 80 crianças por mês fazem o tratamento com asparaginase. Segundo Silvia, ela aplicou do próprio bolso R$ 128 mil para comprar o medicamento dos EUA a 18 pacientes em situação mais grave, mas que ainda não chegou.
O Boldrini solicitou há cerca de dez dias a licença de importação de 500 frascos da asparaginase europeia para a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o que foi concedido na última quinta-feira (4). A chinesa ficará sem uso neste caso.
Em nota, o Graacc informou que continuará utilizando a asparaginase alemã em seus pacientes até a conclusão dos testes pelo Ministério da Saúde sobre a segurança do medicamento chinês. Só assim definirá ou não a sua futura utilização.
O Graacc informou que está em processo de importação de 200 frascos do produto alemão. Atualmente, no hospital em São Paulo, dez pacientes precisam do medicamento. Já foram aplicados R$ 162 mil para compra dos remédios.
O Hospital de Câncer de Barretos, outra referência no tratamento de câncer infantil no Brasil, não informou à reportagem se utiliza a asparaginase chinesa em seus pacientes. O governo do Estado de São Paulo informou não ter recebido nenhuma recomendação ou orientação sobre o produto, tampouco queixas de centros de tratamento no Estado.
OUTRO LADO
O Ministério da Saúde informou que a análise da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) identificou presença de 98% da asparaginase no medicamento chinês LeugiNase e contestou, em nota, a conclusão do Centro Infantil Boldrini frente a análise do Laboratório Nacional de Biociências.
O ministério informou ainda que se posicionará sobre a segunda análise, do laboratório americano MS Bioworks, após uma avaliação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Na nota, o ministério informou que o produto LeugiNase está sendo aplicado em 11 Estados, sem registro diferente do aguardado pela literatura médica, e que a “eventual presença de proteínas, esperada em produtos biológicos, não indica que sejam prejudiciais aos pacientes”.
De acordo com o Ministério da Saúde, foram adquiridas 30.666 unidades do medicamento em janeiro de 2017, por um valor de R$ 7,6 milhões. Ainda segundo o ministério, os hospitais recebem recursos para optar pela aquisição do medicamento conveniente.
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