22 de dezembro de 2024
Brasil • atualizado em 13/02/2020 às 09:25

Governo se vê mais forte para superar novas denúncias de Janot

Michel Temer iniciou aquela quinta-feira, 18 de maio, com uma conversa pragmática. Um de seus auxiliares mais fiéis disse que ele seria “triturado” pela imprensa, que sua família, seus aliados, todos seriam escrutinados com lupa. Finalizou o diagnóstico com uma pergunta: “O sr. quer passar por isso?”.

Ainda atordoado, Temer parecia não saber. Era o dia seguinte à explosão da delação da JBS, publicada pelo jornal “O Globo”. Na noite do dia 17, um assessor levara a notícia ao seu gabinete.

O título dizia que o presidente havia sido gravado dando “aval” para Joesley Batista impedir a delação do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) com propina.

Temer convocou os auxiliares mais próximos: Moreira Franco (Secretaria Geral da Presidência), Eliseu Padilha (Casa Civil) e Antonio Imbassahy (Secretaria de Governo). Foi alvo de um interrogatório.

“Esteve com ele?”, quiseram saber.”O que foi que disse?”, insistiram. Temer garantiu que o relato da Procuradoria não era fiel às suas palavras, sustentou não ter dado aval a suborno, mas não conseguia detalhar a conversa. “Estava tão cansado aquela noite… Não lembro exatamente o que falei.”

No dia seguinte, o peemedebista era dado como um homem politicamente morto. Perguntou quais eram suas opções. Via a renúncia como admissão de culpa.

Descartou a ideia. Ouviu sugestão de convocar eleições diretas.

Seria um tapa no empresariado, na mídia e nas elites, que temiam o retorno do ex-presidente Lula. Quando a ideia pareceu ganhar força, Moreira Franco interrompeu.

“Isso aqui é guerra, estão entendendo? É guerra política. Vamos lutar. Ajeita daqui, ajeita dali e vamos passando.” Temer concordou. Recebeu um esboço do que seria seu primeiro pronunciamento após o início da crise.

No fim da tarde, chamou a imprensa. O primeiro rascunho de seu discurso não tinha a frase que ganhou as manchetes dos jornais: “Não renunciarei”.

Na Esplanada, o anúncio da delação da JBS provocou um abalo sísmico. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, olhou a notícia à noite e se preparou para um dia seguinte ingrato no mercado.

Naquela quinta, dia 18, Meirelles amanheceu na mesa de operações do Tesouro.

“Trabalhei anos em bancos. Se tem uma coisa que eu sei é comandar uma mesa”, disse. Havia definido uma estratégia. “O mercado queria liquidez”, analisou em conversa recente. Minimizou danos no curto prazo e distanciou-se da agonia política.

Descobriu nos desdobramentos da crise um novo aliado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Os dois não eram próximos, mas foram estreitando contatos à medida que a asfixia de Temer se agravava.

Maia intensificou contatos com empresários e banqueiros. Se o presidente caísse, ele herdaria o Planalto. Meirelles era o homem de confiança do mercado.

Logo, Maia precisava dele. Nasceu a versão de que, acontecesse o que acontecesse, o ministro não deixaria a Fazenda.

O governo passou a primeira semana como pôde. Atacou a qualidade da gravação. Contratou perícia para o áudio. Insinuou que houve uma conspiração para derrubá-lo.

Para reagir, Temer acenou para o espírito de corpo dos parlamentares com o raciocínio de que, se a Lava Jato derrubasse um presidente com tamanha facilidade, não haveria mais obstáculos.

Duas semanas depois, os telefones do Planalto ainda tocavam pouco. Praticamente não havia convites para eventos. Auxiliares que entravam no gabinete por vezes encontravam o peemedebista sozinho, lendo.

Temer passou a operar por etapas. Era preciso 1) frear o namoro do mercado financeiro com Rodrigo Maia e 2) mostrar que ainda era capaz de aprovar medidas.

A reforma trabalhista tramitava no Senado. Renan Calheiros (AL), então líder do PMDB e desafeto histórico do presidente, fazia duras críticas ao texto e ao Planalto. Temer se fiou em Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo. Primeiro ameaçou sacar Renan da liderança.

Quando viu que só promessa não surtiria efeito, encurralou o alagoano, que acabou renunciando ao cargo.

A reforma trabalhista foi aprovada no Senado em 11 de julho. O governo capitalizou a vitória, mesmo sabendo que o texto –muito querido pelo empresariado– tinha força própria no Congresso.

Meirelles fez o mesmo, para o seu público. Auxiliares lembram uma conferência telefônica com mais de 1.400 investidores. O ministro falou como nunca naquela semana.

Começou aí a operação que acabou baixando o balão de Rodrigo Maia. O presidente da Câmara publicou em suas redes sociais texto em que dizia que não aceitaria nenhuma alteração na reforma aprovada pelo Congresso.

Com o gesto, desautorizava o governo, que havia prometido enviar uma medida provisória para amenizar trechos da reforma. A iniciativa foi recebida com desconfiança pelo mercado. No Senado, Casa que havia negociado as salvaguardas com Temer, o deputado foi muito criticado.

Ganhou força a tese de que ele estava em campanha pela queda do governo. Irritado, Maia se afastou do presidente. Temer mergulhou na política miúda.

Falou com centenas de deputados. Disse a eles que era sua honra o que estava em jogo na votação que poderia barrar a denúncia de Rodrigo Janot. Maia foi convencido a baixar a guarda e, na reta final, decidiu ajudar Temer no que podia.

Foi convencido por aliados de que, se o governo tivesse que cair, cairia de maduro. Ele não precisava se mover.

Viu na profunda divisão do PSDB uma oportunidade para firmar sua sigla, o DEM, como parceiro prioritário do PMDB. O presidente estava de volta ao jogo.

Tinha, na linha de frente, Eliseu Padilha. Típico operador de bastidores, o ministro tem o “dom” de mapear anseios de parlamentares. Na Casa Civil, toca nomeações e liberações de verba. Sabe quem quer o quê e onde.

O Planalto iniciou uma contagem quase diária. O presidente queria alcançar 260 votos. Maioria absoluta da Câmara. O suficiente para aprovar leis complementares.

Na quarta, 2 de agosto, o governo entrou em campo com tudo. Ministros foram exonerados para voltar à Câmara. Lá, não só deram voto a Temer, como ouviram mais pedidos dos deputados.

Imbassahy levou ao plenário a lista de emendas do governo. Anotava pedidos e conferia liberações. Por volta das 16h, Temer telefonou. “Presidente, o jogo aqui vai ser grande”, ele disse, tentando tampar a boca com a mão.

Na Fazenda, Meirelles projetava o dia seguinte. “Quando resolvermos essa questão”, disse a auxiliares, “vamos centrar fogo nas reformas”. Temer teve 263 votos.

Meirelles pregou a urgência da reforma da Previdência. Maia disse que se comprometia a votar o texto ainda em setembro. A primeira “questão” estava resolvida.

Rodrigo Janot, que deixa a chefia da PGR em setembro, promete nova denúncia. A bala de prata? “Se vier, a gente vê”, disse Moreira, semana passada, questionado sobre o assunto. Ajeita daqui, ajeita dali… Eles vão passando. (Folhapress)

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