23 de dezembro de 2024
Brasil • atualizado em 13/02/2020 às 09:28

Governo quer flexibilizar equipes de atendimento nas unidades de saúde

Propostas foram apresentadas pelo Ministério da Saúde nesta quinta, 10. (Foto: EBC)
Propostas foram apresentadas pelo Ministério da Saúde nesta quinta, 10. (Foto: EBC)

Proposta que vem gerando polêmica entre entidades de saúde, o modelo de atendimento nas unidades básicas de saúde, principal porta de entrada para o SUS, deve passar por mudanças no país.

As propostas foram apresentadas pelo Ministério da Saúde nesta quinta-feira (10), data em que termina o prazo para participação em uma consulta pública sobre o tema.

Entre as medidas em discussão, estão a flexibilização dos padrões hoje estabelecidos para formação e atuação de equipes de atendimento nestas unidades; a integração, em um só profissional, entre agentes comunitários de saúde e agentes de combates a endemias; a criação de uma lista de serviços obrigatórios a serem ofertados e a retirada dos enfermeiros como gerentes destes locais.

A discussão, no entanto, tem sido alvo de embates no setor.

Para o Ministério da Saúde, a proposta de revisão da chamada Pnab (Política Nacional de Atenção Básica), política que hoje orienta o atendimento nas unidades, “deve aumentar a resolutividade da atenção básica, que, atualmente, soluciona 80% dos problemas de saúde da população”.

Já entidades como Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), Cebes (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde) e alguns conselhos de profissionais de saúde, no entanto, têm divulgado notas em que afirmam que a proposta ameaça os avanços já obtidos com as equipes da Estratégia Saúde da Família, hoje considerado o modelo prioritário de atendimento nesta etapa, além de afetar o papel dos agentes comunitários de saúde, “reduzindo seu número e restringindo sua atuação em áreas reconhecidas como vulneráveis e com risco epidemiológico”.

Hoje, 40 mil equipes de Saúde da Família atuam em 5.442 municípios, segundo dados do Ministério da Saúde. Já os agentes comunitários de saúde somam 260 mil.

Flexibilização das equipes

Uma das propostas mais polêmicas é a que permite mudanças na composição das equipes que atuam nas unidades.

Segundo o diretor do Departamento de Atenção Básica, Allan Sousa, a ideia é que o gestor possa organizar essas equipes de acordo com a realidade e necessidade de cada município -o que abriria a possibilidade de quantidade maior ou menor de profissionais de saúde e de carga horária.

Hoje, a maioria das unidades adota o modelo da Estratégia Saúde da Família, o qual prevê equipe multiprofissional, com médico generalista ou especialista em medicina da família, enfermeiro, auxiliar ou técnico em enfermagem, agentes comunitários de saúde, entre outros.

“Mantém-se a prioridade do Saúde da Família, mas também passa a reconhecer a importância de outros modelos de organização da atenção básica”, afirma Sousa, para quem profissionais do Mais Médicos também podem vir a ser incorporados ao novo modelo.

A proposta, porém, é questionada por entidades, para as quais há risco de que, em um contexto de crise econômica, o financiamento dessas novas equipes passe a ser desviado da Estratégia Saúde da Família.

Questionado, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, nega que haja mudança nos valores repassados. Segundo ele, os parâmetros estabelecidos hoje acabam por impedir o financiamento do atendimento em algumas regiões.

“A flexibilização permitirá financiar esse atendimento que está acontecendo, porque o prefeito hoje dá assistência, mas que não consegue o financiamento do Ministério da Saúde porque não reconhecemos o mundo real”, diz.

“Passaremos a financiar equipes que não estão no padrão estabelecido”, completa Barros.

Questionado sobre como assegurar que não haja prejuízos aos pacientes, Sousa afirma que a ideia é utilizar o prontuário eletrônico para monitorar se o atendimento está sendo efetuado e os resultados atingidos. O modelo, porém, ainda só está presente em 40% das unidades básicas de saúde. Segundo o diretor, a pasta pretende alcançar 100% de cobertura até o fim de 2018.

Dois agentes em um

Em outra proposta de mudanças, o governo prevê que o atendimento entre agentes comunitários de saúde (que hoje fazem visitas regulares para verificar a situação de saúde dos pacientes) e o de agentes de endemias (que fazem o combate a vetores de doenças como dengue, zika a chikungunya) passe a ocorrer de forma integrada. Neste caso, ambos os profissionais receberiam treinamento para realizar as duas funções, informam.

Para entidades como a Abrasco, porém, a medida pode levar à redução do número de agentes comunitários de saúde, além de prejudicar o combate a vetores de doenças, como o Aedes aegypti. O ministério, porém, nega que isso possa ocorrer.

Além dessas medidas, a proposta prevê estimular a inclusão de um “gerente” nas unidades de saúde, função que hoje costuma ser realizada por enfermeiros. Segundo Sousa, no entanto, a falta de outro profissional para ocupar o cargo acaba retirando esses profissionais das ações de assistência.

A revisão, assim, abre espaço para que outros profissionais -incluindo aqueles que hoje não fazem parte da área da saúde- possam assumir a gerência das unidades. Caso um enfermeiro seja o “gerente” de uma equipe, um outro profissional deve ser incorporado para assegurar o atendimento, informa o ministério.

Lista de serviços

A revisão da Pnab também prevê mudanças em relação à oferta de serviços. Segundo o ministério, o objetivo é fazer com que todas as unidades de saúde passem a oferecer uma lista de serviços mínimos “essenciais” à população, como pré-natal, acompanhamento de hipertensos e diabéticos, vacinas, entre outros.

“Hoje, não existe determinação de qual o conjunto de ações que deve ser feito, apenas recomendações e protocolos. Ainda existem equipes que não fazem consultas de pré-natal, por exemplo”, diz Sousa.

Em outra mudança, a medida prevê ainda que o usuário possa ter atendimento em qualquer unidade de saúde de sua preferência -hoje, esse acompanhamento é vinculado ao endereço residencial do usuário.

Questionado se a medida não pode sobrecarregar as unidades de saúde, o diretor, no entanto, admite que uma reorganização poderá ser necessária. “Isso exigirá do gestor municipal um planejamento para poder adaptar à demanda”, afirma.

Prazos

Além das medidas, o prazo para implementação das propostas também tem sido alvo de críticas de entidades do setor. Para a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), há uma tentativa para que as mudanças sejam implementadas “a toque de caixa”, sem que haja espaço ou tempo suficiente para debates.

“Causa imensa preocupação a proposição de uma reformulação da Pnab num momento de ataque aos direitos sociais estabelecidos na Constituição e de sítio fiscal”, informa. Mesma posição tem o Conselho Nacional de Saúde. “É preciso aprofundar o debate para que nenhuma mudança, neste momento, signifique retrocesso”, diz a entidade, em nota.

Sousa, por sua vez, nega que tenha havido tempo insuficiente para discussão. Segundo ele, a medida já é avaliada desde 2016 em reuniões com gestores de saúde e entidades. O diretor admite, no entanto, que a pasta pode estender o processo caso hajam novas contribuições.

Após a consulta, a previsão é que as mudanças voltem a ser discutidas entre gestores de saúde ainda neste mês. Se aprovadas, as medidas entrariam em vigor ainda neste ano. (Folhapress)

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