23 de dezembro de 2024
Brasil • atualizado em 13/02/2020 às 09:35

Governo exuma ossada que pode ser de guerrilheiro baiano morto na ditadura

Foto: Folha-Uol
Foto: Folha-Uol

Uma ossada exumada do cemitério de Palmas do Monte Alto (BA) nesta quarta-feira (30) é suspeita de ser do desaparecido político João Leonardo da Silva Rocha, assassinado durante o regime militar. Ele foi um dos 15 presos trocados pela libertação do embaixador americano no Brasil Charles Burke Elbrick, em 1969.

O material coletado passará por análise de peritos da Secretaria Nacional de Segurança Pública, braço do Ministério da Justiça. Em caso de apresentar condições de preservação, passará por comparação genética com o DNA de Maria Anália da Silva Rocha (falecida) e de Mário Rocha, 79, respectivamente, mãe e irmão de João Leonardo.

Nascido em Salvador, João Leonardo da Silva Rocha foi morto numa emboscada da Polícia Militar em 4 de novembro de 1975 numa fazenda do município do interior baiano. Apontado à época como perigoso pistoleiro, foi enterrado com o nome falso de José Eduardo da Costa Lourenço, adotado por ele como disfarce quando chegou à cidade.

Em São Paulo, onde era bancário, João Leonardo teve atuação de destaque na militância política de extrema-esquerda. Ele foi preso em 1969 pelo regime militar, antes de ser libertado em troca do embaixador -junto a ele, estava também José Dirceu, que mais tarde seria ministro do governo Lula.

O embaixador foi sequestrado por guerrilheiros do MR-8 (Movimento Revolucionário Oito de Outubro) e da ALN (Aliança Libertadora Nacional), da qual João Leonardo fazia parte.

Em liberdade, o baiano foi para Cuba e ajudou a criar o Molipo (Movimento de Libertação Popular), organização revolucionária guerrilheira. Voltou na clandestinidade para o Brasil, em 1971, indo primeiro para Pernambuco e depois Bahia, onde foi morto em circunstâncias não esclarecidas.

“Encontramos ossos da perna lateralmente onde estavam os restos mortais de outro cadáver. O material está em mau estado de conservação, devido ao tempo decorrido e à exposição ao solo durante anos”, disse o coordenador científico da CEDMP (Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos), Samuel Ferreira.

Ligada ao Ministério dos Direitos Humanos, a CEDMP é responsável pelas investigações sobre o assassinato de João Leonardo, cujo reconhecimento como uma das vítimas da ditadura militar se deu com base na lei 9.140/1995. Os primeiros resultados sobre os exames devem ser divulgados em três meses.

A presidente da CEDMP, procuradora federal Eugênia Augusta Gonzaga, disse que deseja com esse trabalho, “esclarecer a morte de João Leonardo, dar à família o direito de sepultar seus mortos e registrar na história que ele foi mais uma vítima do regime da ditadura militar no Brasil”.

As buscas, que ocorreram em data mundial simbólica -30 de agosto é considerado pela ONU (Organização das Nações Unidas) como o Dia Internacional dos Desaparecidos Forçados- está sendo acompanhada pelo irmão da vítima, Mário Rocha, 79, e pelo jornalista Celso Horta, 69, que está escrevendo um livro sobre o Molipo, em que boa parte é dedicado à narrativa da vida de João Leonardo.

BAIXAS

Dos 22 guerrilheiros do Molipo que entraram no Brasil, 17 foram assassinados.

“João Leonardo foi último desses. Ele foi para o norte de Pernambuco com o objetivo de montar um núcleo de guerrilha. Comprou um sítio e ficou vivendo durante três anos nesse lugar”, contou Horta.

“Só que à medida que a organização dele foi tendo baixas, acabou ficando parado lá naquele lugar, sem fazer nenhuma ação, sem participar do movimento, tentando sobreviver ali naquele local. Até que ele percebeu que estava sendo vigiado e fugiu para a Bahia.”

A família de João Leonardo só soube da morte dele em 1978. “Estava aguardando que ele voltasse de Cuba quando tivesse a anistia aos exilados políticos [cujo movimento já existia, mas só veio a virar lei em 1979]. Fiquei sabendo da morte por meio do advogado Luiz Eduardo Greenhalgh”, disse o irmão Mário Rocha.

“O último contato que tive com ele foi quando da libertação relacionada ao embaixador americano. Ele não quis falar muito sobre o assunto, com medo de envolver a família na luta que ele estava envolvido. Conversamos num hotel, ele ficou com medo de alguém estar escutando a nossa conversa. Pediu que tomássemos cuidado”, afirma o irmão.

Sobre as buscas aos restos mortais, afirmou que “estamos fazendo isto por questão de história, de registro, para que não fiquem impunes, para que todos saibam o que aconteceu de verdade. A história tem de relatar isto para as próximas gerações”. (Folhapress)

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