13 de dezembro de 2025
SITUAÇÃO DA GESTORA • atualizado em 18/11/2025 às 19:06

Gestora que assumiu Maternidade Nascer Cidadão responde a 49 processos trabalhistas em SP

Certidão positiva com efeitos de negativa permite contratação emergencial; especialistas alertam para riscos jurídicos e bloqueios de recursos
Especialista fala sobre riscos aos repasses para gerir a maternidade, mas cita que não há ilicitude - Foto: arquivo
Especialista fala sobre riscos aos repasses para gerir a maternidade, mas cita que não há ilicitude - Foto: arquivo

A Associação Hospitalar Beneficente do Brasil (AHBB), que assumiu a gestão da Maternidade Nascer Cidadão, em contrato emergencial com a Prefeitura de Goiânia – com possibilidade de continuar após novo chamamento -, responde a 49 processos em varas da Justiça do Trabalho de São Paulo e nas cidades paulitas de Cubatão, São Carlos, Jaú, Birigui, Garça, Taboão da Serra e Penápolis.

Uma Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas com data de segunda-feira (17), válida até maio de 2026, à qual o Diário de Goiás teve acesso, confirma que o CNPJ da organização social de saúde consta no Banco Nacional de Devedores Trabalhistas por inadimplência de obrigações estabelecidas em sentenças ou acordos judiciais.

Ao celebrar o contrato emergencial com o município para assumir a Maternidade Nascer Cidadão, segundo informou a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) nesta terça ao DG, a AHBB possuía uma certidão positiva com efeitos de negativa. Esse tipo de documento indica que existem questionamentos de débitos, mas permite que CNPJ comprove regularidade fiscal para fins de participação em licitações, contratos e financiamentos, pois a exigibilidade da dívida está suspensa

Na certidão que aponta os 49 processos em andamento esta semana – a AHBB enviou outra listando 43 processos em 19 de agosto último -, consta que muitos dos débitos estão garantidos – o que pode ser feito por depósito, bloqueio judicial de valores ou penhora de bens -, ou têm sua exigibilidade suspensa, significando que nem todas representam um risco imediato.

Isso significa que a situação jurídica da AHBB por causa das dezenas de pendências trabalhistas, por si só, não a impede legalmente de contratar com a SMS. Entretanto, a situação pode representar um risco de uma apreensão de valores pela Justiça do Trabalho, alcançando por exemplo, repasses do contrato de gestão feitos pela prefeitura de Goiânia para a manutenção da maternidade.

Essa hipótese é apontada pelo especialista em Direito Administrativo e Constitucional, presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da Ordem dos Advogados do Brasil (OABGO), Juscimar Ribeiro, ouvido pela reportagem a respeito. Confira a seguir!

Especialista responde

É legal contratar uma pessoa jurídica nestas condições (com tantas pendências na Justiça do Trabalho) para prestar serviço a órgão público?

Juscimar RibeiroA contratação de uma organização social para gerenciamento de serviço público ou a execução de alguma atividade pública, pressupõe que a entidade a ser contratada, tenha muita expertise, tenha idoneidade financeira, administrativa e moral. Seja uma entidade sem mácula, até porque ela vai gerenciar recursos públicos. Normalmente os contratos de gestão envolvem recursos substanciais, gerir pessoal e bens móveis e imóveis do poder público. Então é importante que a contratação de uma pessoa jurídica nesse sentido seja realmente uma entidade idônea, seja uma entidade com respeitabilidade, com credibilidade, senão se corre um risco de fazer uma contratação de uma entidade que não vai dar segurança ao poder público e ao interesse público da boa execução do contrato de gestão. Agora, só dizer que seria ilegal pelo fato de ter uma certidão positiva de débito trabalhista não é válido também. Então temos que levar em consideração que a simples existência de débitos trabalhistas, ainda mais num país em que as discussões trabalhistas são muito subjetivas, eu acho que não é relevante. O que é relevante é que a entidade tem que ter idoneidade para além dessa mera restrição.

Esse fato encontra impedimentos junto aos tribunais de contas?

Juscimar RibeiroO fato da entidade ter débito trabalhista não gera impedimentos. O impedimento que poderia levar a algum tipo de restrição, inclusive junto aos tribunais de contas, é nas prestações de contas, alguma malversação de recursos, alguma coisa nesse sentido, mas só isso por não é impeditivo junto aos tribunais de contas.

Quais os riscos e implicações para a administração municipal?

Juscimar RibeiroO município, ao contratar uma entidade que tem passivos trabalhistas, corre um risco de que eventual recurso do contrato de gestão que esteja em contas da entidade possa sofrer algum tipo de bloqueio, algum tipo de indisponibilidade. É claro que haverá demonstração pelo município, pela conta da entidade que esses recursos pertencem a outro ente federativo, mas é um problema. E é um problema sério, porque até lá haverão esses bloqueios. E na nossa cultura jurídica, a Justiça do Trabalho, ela não se preocupa muito com essas formalidades. Então, se tiver recursos na conta da OS que estejam disponíveis, a Justiça do Trabalho pode torná-los indisponíveis, pode fazer o bloqueio e aí a entidade e o ente federado que for proprietário dessas verbas que vai ter que correr atrás de tentar resolver isso.

Então, é meio arriscado. Realmente é um risco jurídico que se apresenta.

Eu defendo, enquanto estudioso de Direito Administrativo e como cidadão, que a busca de uma parceria para contratualização de um contrato de gestão para gerenciamento de equipamentos e execução de serviços públicos tem que se dar com muito critério por parte da administração. A administração não pode contratar qualquer entidade. Tem que ser entidades que tenham uma experiência comprovada, que tenham a idoneidade inquestionável, que tenham a condição de efetivamente fazer uma boa gestão dos recursos públicos. Porque, senão, nós corremos o risco de contratar mal, a entidade executa mal o contrato e ainda a população perde duas vezes, sem a prestação de serviços e os recursos públicos que poderão ser desviados ou, de alguma forma, não atender suas finalidades.

Então, eu vejo com muita preocupação e eu acho que o cuidado na contratação de uma entidade idônea é essencial para a boa gestão de um contrato de gestão.

Maternidade Célia Câmara

No início do mês, o DG mostrou a situação também da OSC Sociedade Beneficente São José de Herculândia (SBSJ) que assumiu a Maternidade Célia Câmara no mesmo processo emergencial. Quando celebrou o contrato, o então presidente da SBSJ, Juliano Aparecido Fidelis, estava com as contas rejeitadas no Tribunal de Contas de São Paulo por causa da gestão que manteve à frente de uma unidade pública de saúde no interior paulista. Chefe de gabinete de uma prefeitura de outro município de São Paulo, depois de assinar o contrato em Goiânia, ele se afastou da direção da SBSJ.

Sobre isso leia também: Ex-presidente de OSC da Maternidade Célia Câmara firmou contrato após ter contas rejeitadas em SP

SMS se manifesta e garante legalidade do contrato

O DG perguntou à SMS se a situação da AHBB era conhecida e se era compatível com o contrato celebrado, ainda que de forma emergencial. Em nota, a secretaria citou que não havia óbice à contratação.

Também destacou que o contrato é emergencial, com duração prevista de seis meses e que está preparando um chamamento público para a gestão das unidades de saúde após esse período. Confira a íntegra da nota ao final.

AHBB garante que não há risco

O diretor-executivo de Operações AHBB, André Bueno de Camargo Bertollo enviou uma nota onde observa que a certidão que permitiu a celebração do contrato com a SMS tem validade até fevereiro do próximo ano. Na nota, ele enfatiza que a existência de débitos trabalhistas em um dos casos se deveu à inadimplência de uma prefeitura.

Também assegura que não há risco de bloqueio de recursos do contrato de gestão celebrado com o município de Goiânia para a Maternidade Nascer Cidadão. Leia a íntegra da nota abaixo!

NOTA AHBB

“Confirmamos que a Associação Hospitalar Beneficente do Brasil (AHBB) possui uma Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas com Efeito de Negativa (CPEN), emitida pelo Poder Judiciário da Justiça do Trabalho, válida até 15/02/2026, conforme documento anexo.

É importante frisar que, para todos os processos de chamamento público, incluindo os emergenciais, a legislação exige a apresentação da Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT) OU da Certidão Positiva com Efeito de Negativa (CPEN). A CPEN atesta que, embora existam débitos trabalhistas, estes estão com exigibilidade suspensa ou garantidos por depósito, bloqueio de numerário ou penhora de bens suficientes, conforme Arts. 642-A e 883-A da CLT. Portanto, a AHBB cumpriu integralmente as exigências legais para a celebração do contrato.

A existência de processos trabalhistas é inerente a qualquer organização de grande porte, resultado do questionamento legal de ex-colaboradores. Muitos desses processos da AHBB, especialmente os de Cubatão, são de um período (2016/2017) em que a instituição enfrentou inadimplência nos repasses da prefeitura local.

A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Goiânia foi formalmente informada sobre a situação da AHBB por meio da apresentação da CPEN e de toda a documentação legal exigida, validando o processo contratual.

A AHBB garante a regularidade trabalhista em todos os seus projetos e mantém uma gestão rigorosa desses passivos. A natureza da CPEN assegura que os débitos estão acautelados ou com exigibilidade suspensa, o que mitiga qualquer risco de bloqueio de recursos do contrato de gestão celebrado com o município de Goiânia para a Maternidade Nascer Cidadão.

A AHBB reitera seu compromisso com a transparência e a excelência na prestação de serviços de saúde, não havendo riscos para a continuidade do contrato de gestão.

Estamos à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais.”

André Bueno de Camargo Bertollo – Diretor Executivo de Operações AHBB

NOTA SMS

“A Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia (SMS) informa que no momento da celebração do termo de colaboração, a Associação Hospitalar Beneficente do Brasil (AHBB) apresentou certidão positiva com efeitos de negativa. O documento ainda está vigente e, portanto,  juridicamente não há nenhum óbice à contratação da organização social. A SMS destaca que os termos de colaboração para a gestão das maternidades municipais foram realizados de forma emergencial em razão da grave crise na rede de assistência à saúde materno infantil na capital, com validade de apenas seis meses. A pasta prepara chamamento público para a gestão das unidades de saúde após esse período.”

Secretaria Municipal de Saúde


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