Com os preços congelados pela Petrobras há mais de dois meses (o último reajuste foi em 11 de março), a gasolina se tornou o novo ponto de tensão entre a diretoria da estatal e o governo. De um lado, o presidente da República, Jair Bolsonaro, tem recorrido a demissões para marcar seu descontentamento com o preço dos combustíveis. De outro, acionistas se sentem lesados pela demora dos reajustes pela empresa, o que tem impacto nos resultados.
Segundo cálculos da Abicom, associação que reúne pequenos e médios importadores de combustíveis, a defasagem entre os preços da gasolina no mercado interno em relação ao mercado internacional chega a 20%.
“De fato, voltamos a ver defasagem no preço da gasolina depois que o reajuste de março deixou os preços equalizados. Em abril houve até um potencial para redução de preço da ordem de 6%, com a valorização do real. Mas agora o dólar voltou a subir e a defasagem voltou”, explica o analista da Ativa Investimentos Ilan Arbetman.
No caso do diesel, o aumento de 8,9% no dia 9 de maio passado atenuou a defasagem em relação aos preços internacionais e reduziu o risco de desabastecimento do produto no mercado brasileiro, que depende de cerca de 25% das importações. Se os preços internos não acompanharem o mercado internacional, os importadores não trazem o combustível, e pode faltar diesel no País.
Já na gasolina, há menos dependência das importações, já que as refinarias nacionais abastecem 97% do mercado. Mas se a Petrobras decidisse repassar toda a defasagem em relação ao mercado externo, o aumento seria da ordem de R$ 1 por litro, segundo a Abicom.
“A pressão está muito grande por parte do governo e acho difícil fazer reajuste nos próximos dias, mas deveria”, avalia o presidente da Abicom, Sergio Araújo.
Segundo ele, em alguns portos brasileiros, essa defasagem chega a 22%. O último aumento, em março, foi de 18,7%. Pouco tempo depois, o segundo presidente da Petrobras do governo de Jair Bolsonaro, o general Joaquim Silva e Luna, foi demitido pelo presidente.
Paridade
A decisão de equiparar os preços internos aos externos não é tão simples, segundo o especialista em energia e professor do Instituto de Energia da PUC-Rio Edmar Almeida. O presidente Jair Bolsonaro tem insistido nas críticas à empresa ao menor sinal de reajuste, e culpa os bilionários lucros da estatal pela alta dos combustíveis.
Na verdade, os preços seguem uma fórmula que leva em conta o preço do petróleo no mercado internacional, a variação do câmbio e os custos que os importadores teriam para trazer os combustíveis para dentro do País, como frete.
Na avaliação de Almeida, os reajustes de preços são necessários, e se não forem feitos com alguma regularidade, a Petrobras pode ser questionada na Justiça pelos seus acionistas, principalmente se houver a suspeita de interferência por parte do governo. A estatal pode até não realizar os reajustes, mas precisa explicar os motivos, informa.
“Não se pode fazer política pública com dinheiro dos acionistas. Ela (Petrobras) não tem opção. Não adianta ficar trocando presidente nem ministro. Os ajustes não são escolha da diretoria, existem regras internas da empresa e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e, se não forem seguidas, precisam ser explicadas”, diz Almeida, referindo-se à demissão de dois presidentes da Petrobras após aumentos de preços.
O especialista explica que apesar da alta volatilidade do mercado de petróleo, intensificado com a guerra entre a Rússia e Ucrânia, a Petrobras é uma empresa de capital aberto e não pode subsidiar o preço para ajudar o governo a reduzir inflação. “Tem uma área cinza nessa história, mas se ficar configurado que é interferência do governo, a Justiça pode ser acionada, porque é prejuízo para os acionistas, e isso seria um grande desgaste”, afirmou.
De acordo com Almeida, para mudar a política de preços da Petrobras, estipulada em 2016 pelo ex-presidente da empresa Pedro Parente, seria necessária uma nova lei. “Não é com vontade política que se muda, tem que aprovar leis. Bolsonaro tenta desde o começo fazer alguma coisa e não consegue por isso, é necessário mudar a lei”, avalia. (Por Denise Luna/Estadão Conteúdo)
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