SILAS MARTÍ
NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) – Ninguém mais curte o Facebook. Seus “dias de glória já chegaram ao fim” e o “futuro será doloroso” para a maior rede social do mundo.
Nem mesmo a carinha vermelha de raiva da plataforma é capaz de expressar o que o historiador britânico Niall Ferguson, com 30 mil seguidores ali, sente em relação ao Facebook no rastro do depoimento de seu criador, Mark Zuckerberg, a senadores e deputados americanos em Washington na semana passada.
O autor de uma série de livros sobre assuntos como a história do dinheiro, a ascensão do poder e da influência das civilizações ocidentais e, por último, um volume sobre o que chama de falso mito da promessa de um mundo hiperconectado não desgrudou os olhos de Zuckerberg durante a audiência do executivo no Congresso.
A sabatina do empresário foi o clímax de semanas de críticas severas ao Facebook –desde que foi revelado que dados pessoais de 87 milhões de usuários da plataforma haviam sido desviados por uma consultoria política para manipular as eleições americanas a favor de Donald Trump.
“O Facebook não é mais amado, e essa tempestade de más notícias vai afetar muito seu crescimento”, diz Ferguson. “Os mais jovens já não entram mais no Facebook, e a empresa ainda vai sofrer uma perda de impulso, que é o que acontece quando um negócio trai consumidores.”
Mas tudo isso vai demorar. Na opinião de Ferguson, Zuckerberg saiu vitorioso de sua visita ao Congresso, fazendo concessões mínimas.
“Já ouvimos suas promessas e desculpas outras vezes”, afirma o historiador. “Mas parece que ele está caminhando para aceitar uma versão diluída de proteção de dados na tentativa de evitar regras mais duras. Só fiquei surpreso quando ele respondeu sim à pergunta sobre se ele se sentia responsável pelo conteúdo publicado na plataforma.”
Isso porque seria “explosiva”, na visão do autor, uma mudança no entendimento sobre o que são as redes sociais. Na lei americana atual, empresas de tecnologia não são consideradas responsáveis pelo que é publicado em suas plataformas, mas Zuckerberg parece ter aberto o caminho para que as regras sejam revistas.
“De repente, o Facebook poderia ser responsabilizado por um volume de conteúdo impossível de monitorar, mesmo que por 10 mil ou 20 mil trabalhadores”, avalia Ferguson. “Isso teria impacto em seu modelo de negócios.”
Esse impacto em potencial já causou pânico entre os acionistas do Facebook, que perdeu o equivalente a quase R$ 300 bilhões em seu valor de mercado desde o início do escândalo e virou alvo de investidores e usuários na Justiça, além de campanhas a favor do boicote da firma –a cotação das ações em Wall Street, no entanto, disparou após o primeiro depoimento do empresário aos congressistas.
Mas Ferguson, que define como “grudenta” a relação do Facebook com seus usuários, descarta a possibilidade de um êxodo da plataforma.
O impacto mais sério, na verdade, pode começar do outro lado do Atlântico. As regras mais duras de proteção à privacidade e a dados pessoais nas redes já em vigor na Europa podem agora ser importadas para os EUA e ameaçar o Vale do Silício.
GOLPE DUPLO
O historiador, que prevê para o Facebook o mesmo destino da Microsoft (titã que amargou duas décadas como alvo de ações antitruste), acredita que as audiências de Zuckerberg no Congresso foram um primeiro passo nessa direção e que todo o espectro político americano sente ódio do “big tech”, as gigantes da tecnologia.
“O fato é que a direita e a esquerda estão prontas para massacrar as redes sociais e, num primeiro momento, Zuckerberg virou o bode expiatório dos políticos e eleitores decepcionados”, afirma ele.
“Enquanto a esquerda vai pelo caminho de regras antitruste, a direita quer impor regras que restrinjam como essas plataformas podem ser usadas contra suas metas.”
Ferguson lembra ainda que o clima já hostil às redes sociais parece ter um viés liberal, com censura a conservadores –um aplicativo ligado ao Movimento Brasil Livre foi retirado do ar no Brasil, por exemplo– num esforço para fechar o cerco sobre discursos de ódio, o que poderia arranhar mais a imagem do Facebook.
“É preciso ser neutro. Eles não podem correr o risco de parecer enviesados porque isso daria margem para que sejam ainda mais regulados pelos governos”, afirma o autor.
Olhando para as próximas eleições no horizonte, Ferguson diz que “ninguém deve subestimar” o poder de fogo das redes sociais na política.
Ele acredita que o fato de Jair Bolsonaro, pré-candidato ao Planalto pelo PSL, ter 2 milhões de seguidores a mais no Facebook do que o ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva é um sinal de vitória dos mais conservadores.
“Existem dois tipos de político no planeta hoje”, diz o autor. “Há os que entendem o poder do Facebook e aqueles que perdem as eleições.”
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