Sob um sol forte e calor de 30 graus, em pé, sem água e comida, dezenas de familiares dos 60 presos chacinados em duas penitenciárias de Manaus aguardaram por horas nesta terça-feira (03) em frente ao IML (Instituto Médico Legal) da capital do Amazonas. As famílias buscavam informações e a liberação de corpos já identificados.
O governo proibiu o acesso das famílias ao prédio do IML e decidiu soltar as informações em conta-gotas, o que exasperou os parentes dos presos.
“O que está acontecendo aqui é que não temos respaldo de nada. Não tenho notícia do meu filho desde domingo. Fui ao presídio e lá disseram ‘ah, não consta da lista nem de vivo nem de fugitivo’. Aí a gente vem para cá [IML], a moça veio com uma lista de nomes. Pergunto à moça se era do pessoal que morreu. Ninguém sabe, não tem como saber se é de vivos ou de mortos. E aí?”, disse Regina, que buscava informações sobre seu filho, Igor André Silva de Melo, 24.
Ela chamou outros parentes para fechar a rodovia Noel Nutels, que passa em frente ao IML, por duas vezes, em protesto, mas só foi acompanhada por um pequeno grupo que não levou a interdição adiante.
“Os parentes das pessoas que estão lá, dos mortos que estão lá, não são indigentes. Todos têm família. E por que eles estavam com tantas armas lá dentro? Cadê as autoridades?”, disse Regina.
O pastor evangélico Paulo Guedes, que disse trabalhar com grupos de oração em presídios de Manaus desde 1991, distribuiu alguns copos d’água aos parentes dos presos.
“Aconteceu essa catástrofe e o Estado é deficiente. Por exemplo, morreram 60 pessoas e o IML tem vaga para apenas 20. Não veio aqui nenhuma pessoa oferecer água ou banheiro. Estão todos no sol e na chuva. A deficiência não é só no presídio, é no Estado de direito”, disse o pastor.
Os parentes de Rômulo Arley da Silva, 38, tinham poucas esperanças de que ele estivesse vivo, mas até as 12h00, passados dois dias da rebelião, eles ainda não haviam recebido uma confirmação oficial da morte.
Ex-policial civil condenado por homicídio, Rômulo estava na cela do “seguro”, que é o local reservado pela direção do presídio aos presos ameaçados de morte. Sua mãe, Maria de Jesus Lima, veio com parentes de Boa Vista (RR) após saber da rebelião. Ela disse que viu na internet as imagens das celas do “seguro”, incendiado e destruído, e soube que “todos morreram”. “Não tem como ele ter escapado”, disse Maria.
Rômulo havia se convertido a uma igreja evangélica e dizia estar se preparando para uma vida nova quando saísse do presídio após cumprir uma pena de 14 anos.
“Meu filho estava estudando, passou no Enem e queria passar no vestibular de engenharia”, disse Maria. Ele tem uma criança de um mês de idade.
Parentes de outro preso do “seguro”, Daniel Lopes de Lima, 31, condenado por roubo, também buscavam informações. Sua irmã, Daniele, disse ter sido avisada por parentes de presos que ele também foi morto na rebelião.
“O Estado não consegue fazer nada por ninguém. Quero que ele sai daí e vá para ser velado em casa. Ele tem direito a ser velado em casa”, disse Daniele.
A cobradora de ônibus Celina Ferreira, ex-mulher do detento Anderson Ferreira da Silva, 32, disse não saber se ele está morto ou foragido e não havia recebido nenhuma informação oficial. Ele também estava no “seguro” por ser acusado de crimes sexuais.
“Ele comentou com uma visita amiga nossa que estava com muito medo. Ele disse que ia morrer porque ia ter uma rebelição. Ele queria morrer como homem, foi o que ele disse”, afirmou Celina.
Ocasionalmente ao longo da manhã e do início da tarde, funcionários do IML vinham à grade do prédio para chamar pelo nome alguns parentes, que assim eram autorizados a entrar no IML. Segundo os funcionários, essas pessoas eram cadastradas e levadas ao reconhecimento do corpo. Em caso positivo, o corpo poderia ser liberado para o enterro.
Os funcionários justificaram a demora na liberação pelo mau estado da maioria dos corpos, muitos sem cabeça, pernas e braços e alguns carbonizados, o que dificulta a identificação dos cadáveres.
Folhapress
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