23 de dezembro de 2024
Brasil • atualizado em 13/02/2020 às 01:00

Falta de transparência e pressa abalam programa de privatização de Doria

João Doria. (Foto: Agência Brasil)
João Doria. (Foto: Agência Brasil)

A concessão de bens públicos à iniciativa privada é um projeto prioritário da gestão João Doria (PSDB) que, até agora, vem sendo tocado de maneira pouco transparente e aparenta ter pressa pouco condizente com a realidade.

São pontos em que concordam os especialistas convidados pela Folha de S.Paulo para debater as privatizações no âmbito municipal, no segundo debate da série Diálogos Paulistanos, que foi mediado pelo editor de “Cotidiano”, Eduardo Scolese. A própria centralidade do programa para a atual gestão foi um dos aspectos mais levantados pelos debatedores.

Participaram do debate Eduardo Marques, professor de ciência política da USP, Sandro Cabral, professor de administração do Insper e Vera Monteiro, professora de direito da FGV. A Folha de S.Paulo convidou Wilson Poit, secretário de Desestatização e Parcerias, para participar do debate, mas a gestão Doria optou por não enviar nenhum representante.

“Enquanto com Haddad as parcerias com a iniciativa privada eram meios, com Doria parecem ser fins”, apontou Sandro Cabral, professor de administração do Insper. “Agora, há um sinal mais forte de que o programa de desestatizar é um carro-chefe da gestão, seja por promessas eleitorais ou para viabilizar o prefeito para sonhos mais altos.”

Mas, segundo o engenheiro, vai ser difícil a prefeitura colher a tempo todos os frutos que quer do programa de desestatização. “O tempo midiático conflita com o tempo técnico de maturação dos projetos”, diz ele. “O prefeito vai ter que gerenciar os dois sob pena de perder credibilidade com os atores privados.”

Eduardo Marques, da ciência política da USP (Universidade de São Paulo), concordou. “No governo Haddad, as privatizações não eram um elemento da agenda política, mas uma ferramenta para levantar recursos para fazer outras coisas.”

“Erguer como principal bandeira um programa de desestatização só faria sentido se a cidade estivesse em situação calamitosa financeiramente”, continuou o professor e vice-diretor do Centro de Estudos da Metrópole.

Vera Monteiro, da FGV-Direito, disse ver na criação da Secretaria Municipal de Desestatização uma vontade de centralizar as decisões de parcerias com entidades privadas, para maximizar seus benefícios.

“Suponho que trazer as decisões para um centro de inteligência torne a prefeitura mais capaz de pensar quais são os melhores negócios, como receber ideias da iniciativa privada de maneira mais transparente, como estruturá-las melhor junto a outros órgãos.”

Para ela, é importante institucionalizar esse ambiente de deliberação para fazer a modelagem adequada do tipo de contrato a ser firmado com entes privados, assim como para facilitar o trânsito com a Câmara Municipal, que exerce papel fundamental na regulação de cada concessão.

A professora e advogada defendeu as doações que a prefeitura recebe de empresas privadas, que vêm despertando polêmica por fugirem à regulamentação tradicional. “A licitação é regra para determinadas situações, não para todas. Não há necessidade de burocratizar o que é simples. Só é diferente quando se discute restrição de espaços e disputa entre empresas.”

Marques discordou, citando o exemplo de doações de remédios por grandes farmacêuticas e argumentando que a prefeitura só recebe os medicamentos que “o laboratório deseja dar”, não o que a saúde municipal precisa. “Na maior parte das vezes, Doria está fazendo política, e não política pública. Está jogando para a plateia e conseguindo apoio a sua figura.”

Cabral, do Insper, lembrou o tempo de publicidade que a Ultrafarma cedeu à Prefeitura de São Paulo no último jogo da seleção brasileira, na semana passada. “Na minha terra, isso é propaganda eleitoral disfarçada”.

Outro ponto de discordância foi o Bilhete Único, frequentemente citado como uma das concessões que mais interessam à iniciativa privada. Marques apontou que há uma questão ética envolvida, dizendo que, para ele, não está claro se os usuários atuais do sistema sabiam que os dados pessoais que fornecem à SPTrans poderiam ser usados para fins comerciais.

Para Vera, a questão não é grave. “O que seria feito é a transferência de um mercado já cativo, organizado, a um operador comercial. Não há nada ilegal nisso, só se os dados forem abertos a quem não se deve.”

O consenso geral foi que ainda há poucas informações sólidas sobre as quais discutir, já que a prefeitura não vem publicizando as decisões relacionadas ao programa de desestatização.”É estranha essa diretriz de não discutir o assunto publicamente antes de discutir com vereadores, como se eles fossem os monopolistas da opinião do cidadão”, disse Marques. “Seria mais produtivo se projeto fosse apresentado para a sociedade conforme fosse feito, aí a discussão já seria respaldada pelo debate público.”

“A coisa toda tem que ser transparente”, frisou Cabral. “É preciso empoderar a controladoria e trazer pra conversar desde o começo gente que, no futuro, pode trazer dificuldade. A luz do sol é o melhor desinfetante”. (Folhapress)

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