A pesquisadora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Nina Santos, explica todo processo de fake news e aponta que a movimentação de desinformação mudou fortemente de padrão nas 48h que antecederam o primeiro turno das eleições 2022.
Na análise de Nina, no primeiro turno destas eleições, o que vimos foi um processo de disseminação de fake news em quatro etapas. De acordo com ela, esse primeiro processo começou com a criação ou a rememoração de histórias desinformativas que têm como base conhecimentos e crenças que já circulam na sociedade. Nina explica que isso é um dos pré-requisitos para que uma fake news tenha aderência na sociedade.
Na segunda etapa, Nina explica que essas narrativas mentirosas, porém muitas vezes factíveis, são criadas. Logo começa-se a de difusão desses discursos, através de uma miríade de diferentes fontes de informação, muitas vezes com visibilidade limitada. Esse segundo passo, de acordo com a pesquisadora, cria um certo clima de ”tranquilidade” durante a maior parte da campanha, uma impressão de que não havia um grande problema de desinformação acontecendo.
Já na terceira etapa, o processo consiste em aproveitar um momento oportuno. Conforme a análise de Nina, neste ano, esse momento foi claramente a véspera das eleições, quando já não havia programa de televisão ou comícios. ”É nessa oportunidade que aconteceram as estratégias mais agressivas, rápidas e massivas de disseminação de fake news, se aproveitando do terreno que havia sido preparado antes e conseguindo das outras amplitude ao fenômeno”, explica.
Analisando a dinâmica de comunicação nas redes digitais através de levantamentos do Netlab, o Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e da consultoria Novelo Data, fica claro que a movimentação de desinformação mudou fortemente o padrão nas 48h que antecederam o primeiro turno.
Segundo a análise, dois casos deixam isso muito claro. O primeiro é de um suposto áudio em que Marcola declararia voto em Lula, isso às 18h45 da véspera do 1º turno, quando o Antagonista publicou uma matéria sobre esse suposto áudio. Embora o teor da conversa não afirme isso, o site Antagonista divulgou o áudio sob a manchete: “Exclusivo: em interceptação telefônica da PF, Marcola declara voto em Lula”. Foi seguido pelo YouTube do Pingo nos Is, da Jovem Pan, que publicou um vídeo às 20h30.
Portanto, o ministro do STF Alexandre de Moraes determinou que a reportagem fosse retirada do ar do site e também de canais bolsonaristas e das redes da Jovem Pan, além de redes sociais dos parlamentares Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF), Carla Zambelli (PL-SP) e Paulo Eduardo Martins (PL-PR), com penalidade de multa de R$ 100 mil por dia.
Segundo dados do NetLab, 21 minutos depois de postado, o vídeo do Pingo nos Is já era o primeiro na recomendação do YouTube para usuários anônimos.
Só no dia seguinte, em plena votação, o TSE pediu a remoção. Mas apenas os vídeos postados no canal do YouTube da Jovem Pan tinham 1,7 milhão de visualizações antes de sair do ar. Ao mesmo tempo, a busca pelo termo “Marcola” no Google teve um grande pico. Entre os termos mais relacionados a essa busca, segundo o Google Trends, estavam as palavras “voto”, “votação” e “Lula”.
Isso mostra que houve um aumento de interesse no assunto.
O segundo caso, no mínimo curioso, se deu no próprio Google. Ao buscar pelos termos “Lula” ou “Bolsonaro” às 15h34 da véspera da eleição, o primeiro resultado era uma pesquisa da Brasmarket, que mostrava Bolsonaro à frente no pleito. O resultado do primeiro turno foi radicalmente diferente do que apontava a pesquisa.
Essa matéria permaneceu entre os dois primeiros resultados de busca pelo menos até a meia-noite do sábado. Justamente um período em que as buscas pelos nomes dos dois principais candidatos tiveram um esperado pico, segundo o Google Trends.
Essa análise passo a passo revela algumas coisas.
Primeiro, houve uma mudança no padrão da circulação informativa nas 48h que antecederam o 1º turno. É de se imaginar que isso tenha gerado um impacto na decisão de voto, ainda que essa quantificação seja quase impossível de ser feita.
Segundo, essa mudança de padrão não é fruto do acaso e sim de uma estratégia muito bem-feita que usa a desinformação como arma política.
Infelizmente os processos judiciais ainda são lentos para a velocidade da rede.
Por outro lado, as plataformas continuam despreparadas para esses movimentos rápidos e feitos em momentos estratégicos. Não há um esquema de monitoramento constante montado para esses momentos especialmente críticos para o país. Isso torna todas as ações e respostas extremamente lentas e burocráticas, o que em termos de comunicação digital significa uma catástrofe.
Infelizmente esse cenário não desapareceu depois do primeiro turno. Pelo contrário, se intensificou na primeira semana de campanha para o segundo turno, como revelou reportagem da Agência Pública. Portanto, mais do que nunca é necessário pautar a questão da desinformação e entender que, com um fenômeno dessa dimensão, não é possível falar em democracia plena. (As informações são da Agência Pública).
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