24 de dezembro de 2024
Brasil • atualizado em 13/02/2020 às 09:39

Expedição flagra mudanças ambientais após construção de Belo Monte

Usina de Belo Monte. (Foto: EBC)
Usina de Belo Monte. (Foto: EBC)

Os carapanãs chegam pontualmente às 18h nas margens da Volta Grande do rio Xingu, poucos quilômetros abaixo da barragem que desviou o curso do rio para a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, em Altamira (PA).

São pernilongos, medindo menos de um centímetro, que vivem em poças formadas ao longo do leito do rio e se atiçam nesse horário, a ponto de formar densas nuvens em torno dos humanos, em busca de sangue. Além do incômodo, são vetores de doenças como malária.

Sempre viveram por lá, mas com a redução do fluxo do rio após a construção da barragem, proliferaram a tal ponto que hoje inviabilizam a tradicional saída no fim de tarde para a pesca.

Também relegaram às lembranças os banhos de rio no pôr-do-sol, as dormidas na rede e, por fim, trancam todos em suas casas para assistir TV e dormir cedo.

Além dessas alterações, a construção de Belo Monte também atingiu o volume dos peixes pescados e os hábitos da população juruna -distribuída em três aldeias com pouco mais de 50 famílias às margens do rio- e na vida dos mais de 600 ribeirinhos que ainda vivem abaixo da barragem. Essas mudanças vêm sendo alvo de monitoramento do ISA (Instituto Socioambiental).

O instituto promoveu uma canoada na última semana, com mais de 80 pessoas para remar 110 km Xingu abaixo, atravessando a área alagada e locais em que o rio está seco, o que obriga todos a literalmente carregar a canoa para atingir outro ponto de navegação.

A avaliação é que a pesca do pacu foi prejudicada. Peixe mais tradicional pescado pelos jurunas, ele agora está mais magro e vive doente.

Tradicionalmente, na época das cheias, o pacu se alimentava dos frutos caídos de árvores nas encostas do rio.

Quando as águas baixavam na seca, havia fartura. Agora, pouco mais de um ano após o fechamento da barragem, foi contabilizada a mortandade de mais de 16 toneladas desse peixe, o equivalente a quase o total pescado pelos jurunas em três anos.

“O aumento do volume de águas acima da barragem reduziu o oxigênio para os peixes, suprimiu a floresta do entorno e das ilhotas que apareciam nas secas, impedindo que seus frutos chegassem até eles”, disse a pesquisadora

Cristiane Carneiro, doutora em biologia aquática pela Universidade Federal do Pará, que monitora a fauna aquática na região há quatro anos.

Segundo ela, o problema compromete não só a segurança alimentar da população que tinha no peixe sua principal fonte de proteína animal e hoje consome mais produtos industrializados, mas também a renda dessa população que vivia quase exclusivamente da pesca.

Acima da barragem, o rio, quase sem correnteza e vegetação no entorno, não tem peixe, e se transformou num grande lago em frente a Altamira. O rio foi represado e desviado por um canal para gerar energia nas 18 turbinas de Belo Monte.

A partir da barragem, apenas um pequeno fluxo é liberado, num volume até 60% abaixo do natural. É ali que vivem essas comunidades impactadas diretamente.

“De longe, essas famílias são números que ouvimos e sobre os quais lemos. Só estando aqui perto temos noção mais clara sobre os impactos no modo de vida. Remando com índios e com ribeirinhos, entendemos melhor quais são os dramas pelos quais passam”, disse Marcelo Salazar, coordenador do Programa Xingu, do ISA.

Drama

Para o cacique da aldeia Muratu, Gilliard Juruna, a canoada, na quarta edição, permite levar notícias do drama vivido para outros lugares, ao mesmo tempo em que põe os índios em contato com outras formas de pensar.

“Recebemos aqui biólogos, antropólogos, engenheiros, advogados e trocamos experiências. Eles nos dão ideias de como melhorar algumas coisas e também levam nossa história para que outros conheçam.”

Alguns resultados já começam a ser visualizados, como um projeto de inclusão digital para as 22 famílias indígenas da aldeia, promovido pela advogada Ariani Sudatti, que participou pela segunda vez da canoada.

Ou a casa do artesanato juruna, construída na mesma aldeia, de olho nos ainda poucos turistas que passam pela região, comercializando principalmente bijuterias feitas com as tradicionais miçangas coloridas.

Mineração

Já os ribeirinhos, que vivem em algumas ilhas abaixo da barragem, começam a olhar para um novo empreendimento que se anuncia para a região, a mineradora Belo Sun, de investimento canadense, como uma possível tábua de salvação para os males que chegaram com Belo Monte.

Não contemplados nos pacotes de contrapartidas da Norte Energia para as populações tradicionais afetadas pelo empreendimento, eles se dividem entre os que temem uma piora das condições com a possível instalação da mineradora e os que anseiam por uma realocação, apesar de o empreendimento ter tido sua licença suspensa pelo TRF (Tribunal Regional Federal) em abril.

“Estamos procurando uma forma de mudar o que está acontecendo, para não morrer de fome. Uma parte da população quer sair da região e espera uma indenização para começar um negócio em outro lugar. A outra parte, que não quer ser removida, espera uma recompensa, caso a empresa vá explorar o minério da região, ou mesmo uma forma de se integrar ao projeto para ter uma renda”, disse o professor Francisco de Freitas. (Folhapress)

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