Trinta e um anos separam dois momentos “bem parecidos” vividos pelos grafiteiros e pichadores em São Paulo. “Estamos voltando à época do Jânio Quadros”, afirma Juneca, 44, grafiteiro desde os 19.
O artista lembra que a repressão nos meados dos anos 1980, sob a administração do então prefeito Jânio, era intensa, assim como propõe o agora chefe do Executivo João Doria (PSDB), mas nem por isso o grafite e pichação deixaram de existir. “Pelo contrário, a repressão pode aumentar a vontade de fazer”, diz.
Antes mesmo de tomar posse, o tucano anunciou seu o programa municipal Arte Urbana, de combate à pichação, que integra o projeto de zeladoria de Doria, batizado de Cidade Linda. O tucano quer transformar pichadores em artistas por meio de oficinas integrantes do programa.
Na esteira da medida, Doria resolveu que a prefeitura iria apagar os grafites na área conhecida como Arcos do Jânio, no centro da cidade. O local, alvo histórico de pichações, recebeu os grafites em 2015, após autorização da gestão do então prefeito Fernando Haddad (PT).
O mesmo acontece com os murais da avenida 23 de Maio. Doria resolveu manter apenas oito trechos grafitados -“os demais já estão envelhecidos ou foram mutilados por pichadores”, entre eles um painel de Eduardo Kobra.
Doria defende a criação de uma área na cidade para grafiteiros e muralistas. O tucano também anunciou a instalação de câmeras onde há monumentos e vigilância da GCM (Guarda Civil Metropolitana) para coibir pichações.
Mancha colorida
Desde a semana passada, a gestão municipal começou a colocar a medida em prática e a cobrir com tinta cinza parte dos desenhos. A reação foi imediata. A cobertura dos grafites continuou durante o fim de semana. Grafiteiros percorreram o corredor a pé no domingo para registrar “o estrago”.
Nesta segunda (23), uma das paredes pintadas amanheceu com marcas de tinta colorida. “Antes de criar um grafitódromo, ele [Doria] teria que investir em oficinas culturais. Nem todos os pichadores vão se tornar grafiteiros, mas podem se tornar rappers, atletas etc..”, diz Juneca.
O sentimento do artista é o mesmo de boa parte dos grafiteiros de São Paulo. Para o grafiteiro Sidnei Simon Otito, a ação de Doria está incentivando a pichação ao retirar o grafite, além de boicotar as conquistas da arte urbana.
“Foi meio equivocado. Doria está incentivando a pichação e desmotivando o pessoal que faz arte. Ele está ganhando mídia e deixando os pichadores mais inflamados, até mesmo os grafiteiros”, diz Otito, que grafita desde os 12 anos.
Otito lembra que essa não é a primeira nem a última vez que apagam os grafites na avenida 23 de Maio. Ele lembra que o ex-prefeito Gilberto Kassab, em 2008, também apagou um mural de 680 metros na 23 de Maio.
“O grafite não é muito para agradar, mas, às vezes, agrada. Na época da pintura, eu percebia que os motoristas não gostavam nem um pouco. Acho que porque sabiam que estavam gastando muito.”
Otito lembra que os artistas receberam dinheiro para realizar a intervenção urbana na avenida e que acha difícil que a gestão Doria queria investir para fazer novos grafites na região da 23 de Maio.
Folhapress
Leia mais:
Leia mais sobre: Brasil