A morte em 8 de março de Henry Borel Medeiros, de 4 anos, chamou a atenção sobre riscos a que crianças e adolescentes podem estar expostos mesmo dentro de casa ou em ambientes conhecidos. Especialistas afirmam que casos de violência contra crianças pequenas são mais comuns do que se imagina e destacam a importância de os pais ficarem atentos a possíveis sinais físicos e comportamentais do problema, como marcas no corpo, alterações de sono, de alimentação ou na escola.
“O fato é muito maior do que se imagina. O DataSus (plataforma do Ministério da Saúde) de 2018 aponta que dos 350 mil casos de violência por ano no Brasil, 140 mil são contra pessoas de 0 a 19 anos. E entre 0 a 4 anos, são 35 mil casos de violência física e sexual. E se levarmos em conta a subnotificação, que existe, os números são muito maiores”, diz Marco Gama, presidente do Departamento de Segurança da Sociedade Brasileira de Pediatria. “Essas crianças são ameaçadas. E, se contam alguma coisa. podem passar para um grau maior de agressão. Isso dura muitas vezes anos. Tem criança que apanha quase todo dia.”
O médico lembra ainda que entre os 140 mil casos anuais, cerca de 45 mil ocorrem novamente por causa do mesmo problema. “Alguns sofrem esse tipo de violência por toda a infância, o que vai levar a sequelas, quando não à morte. E as estatísticas mostram que a violência acontece em todas as classes sociais, todas as religiões e não depende da escolaridade do agressor.”
O pediatra explica que muitos casos de violência e abusos são difíceis de detectar, mas ele lembra de episódios chocantes. “Dá para notar certos tipos de ferida na pele com marcas de dedo das mãos, de fivela ou de fio de luz. Marcas de queimadura com cigarro, charuto, garfo, faca ou ferro de passar roupa. Alguns tipos de machucados repetitivos e que geralmente as causas não são bem explicadas”, comenta.
Pós-graduado em saúde mental de crianças e adolescentes, ele afirma que muitas vezes percebe-se que uma criança está em situação de risco por causa de alterações comportamentais. “Tristeza frequente, não tem prazer de brincar, não interage com o olhar do adulto, alteração de sono, irritabilidade muito grande. Ou quando emagrece demais, pois perde a vontade de comer e até de viver”, explica. Se a criança tem um ou mais desses sintomas não significa necessariamente que ela é vítima de violência, mas os sinais funcionam como um alerta.
Para Leila Tardivo, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), a morte do menino Henry é “um alerta à sociedade”. Segundo ela, é preciso ficar atento “porque raramente na primeira vez chega a esse tipo de coisa abominável”. Ela lembra que há alguns sinais que podem ser observados em crianças que estão sofrendo agressões. “Geralmente ela chora diante do abusador, tem episódios de vômito, diarréia ou insônia. Os mais velhos têm problemas escolares. Outro aspecto que pode ocorrer é ela estar sempre quieta e triste. Às vezes também demonstra agressividade”, diz.
Leila pontua que esses sinais não necessariamente signifiquem que a criança esteja sofrendo abuso, mas é preciso sempre estar alerta. “Se uma criança pequena estiver muito machucada, ou com muito ‘roxo’ no corpo, e chorando, é preciso entender que a situação é séria. Marcas no corpo não tem o que discutir, pois tem ferimento que não se justifica de outras formas.”
Segundo a professora, há um número de telefone, o 0100, que qualquer pessoa pode fazer denúncia e funciona de forma anônima. “As pessoas muitas vezes têm medo de fazer a denúncia, mas qualquer um de nós pode fazer a notificação ou até procurar o Conselho Tutelar da cidade”, diz. Ainda de acordo com Leila, a fala da criança é muito importante. “É preciso ouvir. Quando a criança conta, é muito importante dar atenção a isso e ver o que está acontecendo”, lembra.
Marco Gama reforça saber o que realmente se passa com a criança é importante. “Conversar com a criança e dar crédito para ela é fundamental, avisa. Ele também destaca sobre a necessidade de orientar profissionais para lidar com casos de maus-tratos – a Sociedade Brasileira de Pediatria já produziu documentos manuais de orientação. “É preciso romper esse ciclo de violência para salvar mais crianças de sequelas e de morte.”
Paulo Favero. Estadão Conteúdo
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