Dores de cabeça, infecções urinárias recorrentes, candidíase de repetição, cansaço e desânimo frequentes podem ser indicativos de intolerância alimentar. Além dos sintomas clássicos, como desconforto abdominal, má digestão, gases, distensão abdominal e outros problemas intestinais, negligenciar o tratamento pode favorecer o surgimento de doenças mais graves.
De acordo com Mariana Percussor, nutricionista clínica funcional, especialista em modulação intestinal, são mais de 60 sintomas que podem ser ocasionados pelas intolerâncias alimentares, além de problemas decorrentes. “Os clássicos que eu vejo muito no consultório são infecção urinária recorrente, candidíase de repetição, muito inchaço, dificuldade para perder peso e intestino ou preso, ou muito solto”, expõe.
Causas
Entre os brasileiros, as intolerâncias mais comuns são à lactose, frutose e sacarose. A intolerância alimentar é caracterizada pela incapacidade de digerir totalmente o carboidrato. A nutricionista explica que o problema pode ter origem tanto por questões genéticas, quanto por hábitos de vida. “Tem a questão hereditária, principalmente de mãe. A genética é uma causa, a questão de nascer com um tanto “X” das enzimas digestivas e elas findarem, e dos hábitos alimentares. A questão do intestino, de lesão no intestino com a alimentação que a gente tem, de ultraprocessados, da quantidade de agrotóxicos e químicos, da própria transgenicidade dos alimentos, e o estresse do dia a dia”, destaca Mariana.
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Apesar de ser também acometer crianças, a intolerância alimentar é mais frequente em adultos. Ao longo dos anos, a quantidade de enzimas digestivas que atuam na digestão da lactose e da frutose, como a lactase, por exemplo, tendem a diminuir nos adultos. Associado aos hábitos de vida nocivos, essa tendência natural pode provocar o agravamento da saúde intestinal.
Estudos científicos demonstram que o intestino pode ser considerado o nosso segundo cérebro, possuindo cerca de meio milhão de neurônios e comunicação direta com o órgão do sistema nervoso central, via nervo vago. Além disso, 70% das células do nosso sistema imunológico vivem na região intestinal, onde se localiza também cerca de 80% a 90% do neurotransmissor serotonina, que influencia o humor, a saciedade e o bem-estar. A saúde intestinal está diretamente ligada ao nosso estado de ânimo e níveis de estresse, influenciando também na imunidade.
Complicações
O consumo recorrente de lactose e frutose por pessoas intolerantes causa agressões ao organismo, que ao longo do tempo, comprometem a capacidade de absorção de nutrientes e provoca inflamação intestinal subclínica. “Por conta da alimentação inadequada acontece o Leaky Gut, que é o afrouxamento das vilosidades intestinais, e quando tem esse afrouxamento, passam as macromoléculas para a corrente sanguínea”, explica Mariana.
O aumento da permeabilidade do intestino acentua os problemas digestivos, diminui a imunidade e favorece o aparecimento de doenças oportunistas. Para melhorar a permeabilidade é preciso combater a causa do problema, mudando hábitos alimentares. No caso dos intolerantes, retirar os alimentos que fazem mal da dieta, pelo tempo que o profissional de saúde julgar adequado, para cada caso individual, até diminuir a inflamação.
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Tratamento
A nutricionista, especialista em hemoterapia e hematologia, Lays Serafim, destaca que o tratamento é baseado na restauração da saúde do intestino. “O que vai realmente tratar e deixar essa pessoa mais tolerante é um padrão alimentar específico e as suplementações específicas de um profissional que realmente entende bem dessa área intestinal, para tentar restaurar a saúde intestinal, barreira intestinal, as bactérias boas e ruins, tentar gerar um equilíbrio ali”, afirma.
Segundo Lays, a melhora pode ser percebida dentro de uma a duas semanas de tratamento, com restrição e suplementação de vitaminas e minerais que auxiliam no equilíbrio intestinal. A grande dificuldade é em relação à exclusão dos alimentos com lactose e frutose.
As escolhas alimentares estão diretamente relacionadas com questões emocionais e sociais. “Eu vejo muita gente com um pouco de dificuldade de aceitação, porque realmente muda muito a nossa rotina. A restrição é muito complexa no ponto de vista de convívio social, e aqui em Goiânia nós temos poucas opções, quase nenhuma opção [sem lactose]. Realmente, no convívio social precisa de toda uma adaptação, uma aceitação que não vai ser como antes”, ressalta.
Desafios
Apesar de ter como alternativa o uso de enzimas digestivas, como a lactase, que pode ser consumida em comprimidos e sachês antes da ingestão do alimento com lactose para ajudar na digestão, o resultado nem sempre é satisfatório. Em muitos casos, como o da fisioterapeuta, Nathália Monteiro, 30 anos, a enzima já não faz o efeito desejado. “Nem sempre encontramos alimentos sem lactose. As enzimas são caras e, às vezes, não funcionam tão bem. Como eu amo comer é difícil ficar me privando, e meu ponto fraco são os doces, então é um pouco sofrido”, relata.
No caso da frutose, carboidrato presente nas frutas, o desafio pode ser ainda maior. Para a servidora pública, Louise Ribeiro, 41 anos, a restrição a alimentos com frutose provocou alterações não só na rotina, mas também no humor. “A parte mais difícil é a escolha dos alimentos. Frutose existe em quase tudo o que comemos. A restrição também tem sido muito difícil, vontade a gente supera, mas a falta do açúcar me deixa mal-humorada, nervosa, deprimida e ansiosa”, pontua.
Embora difícil, principalmente na fase de adaptação do tratamento, a restrição é necessária para que a saúde do intestino seja recuperada, e na prevenção de outras complicações. A bióloga, Camila Provásio, 28 anos, conta que, por conta da intolerância à lactose não tratada corretamente, muitos problemas intestinais foram agravados. “Há algum tempo fiz uma colonoscopia e descobri úlcera no intestino. Além de outros problemas verificados com a endoscopia como refluxo e gastrite. Apesar de serem doenças que independem da intolerância, elas pioram quando eu consumo produtos com lactose”, conta.
Recuperação
De acordo com Mariana, o segredo do tratamento é ter acompanhamento com um médico gastroenterologista e com a nutricionista especialista em intestino e, de acordo com a melhora do quadro, tentar reinserir os alimentos na dieta, aos poucos. “Fazemos esse processo dos “3 Rs”, retira, reavalia e recoloca, sempre observando, vendo o que o paciente suporta. Do primeiro mês para frente depende da evolução do paciente. O mínimo são 3 meses, que é o tempo necessário para todas as suas células intestinais serem trocadas”, explica a nutricionista.
A especialista ressalta que em casos de intolerâncias não há cura total, apenas remissão e estabilidade da saúde digestiva. “Provavelmente o paciente volte a comer muitas coisas. Mas se voltar a ter os mesmos hábitos, vai voltar a ter os mesmos sintomas. Sempre terá a tendência”, elucida.
Também é importante manter a periodicidade no acompanhamento médico e fazer consultas e exames regulares. “Quem é intolerante não tem uma absorção de vitaminas e minerais da mesma forma de quem não é. Para o paciente ter uma melhor qualidade de vida, o intestino tem que conseguir absorver nutrientes da alimentação”, pontua a nutricionista.
Para quem convive com a intolerância, é preciso aprender a identificar os sinais que o corpo dá e entender que as restrições são necessárias para manutenção da saúde e do bem-estar. “O que eu falo para os meus pacientes é: não deixe de sair com seus amigos, não deixe de ir para o almoço no final de semana no processo, não é para perder momentos, é para agregar, é para você ficar melhor, para você se sentir mais disposto para os seus amigos e sua família. É entender que você não pode, apenas por um momento, e aprender a fazer escolhas”, assegura Mariana.
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