Goiânia está na lista das cidades com maior distribuição de renda desigual do Brasil. Conforme os dados mais recentes de renda média brasileira do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, o percentual de pessoas em extrema pobreza, ou seja, que viviam com menos de R$ 200 por mês, no país, era de 5,9%. Em Goiânia esse percentual era de 22,1% da população. Em contrapartida, de acordo com o ranking da revista Forbes de 2023, Goiás possuía seis bilionários.
Um exemplo prático que desenha essa desigualdade social e de distribuição de renda é a questão da mobilidade urbana. Enquanto os trabalhadores esperam pela finalização das obras do BRT Norte-Sul há nove anos, que promete facilitar o deslocamento e agilizar as viagens do transporte coletivo, os mais abastados poderão contar com heliponto para os chamados “carros voadores”, previsto já para 2026, daqui há apenas dois anos.
A construtora Opus já anunciou que vai trazer a facilidade a quem puder pagar pelo empreendimento. Os “carros voadores” serão produzidos pela Embraer junto à sua subsidiária Eve Air Mobility, são os eVTOL (sigla em inglês para veículo elétrico de pouso e decolagem vertical) em Taubaté (SP). Os veículos são aeronaves de pequeno porte, semelhantes a helicópteros elétricos, que funcionam de modo parecido ao serviço de carros de aplicativo. A promessa é que façam uma viagem de cerca de uma hora em apenas 15 minutos.
Atendendo a demanda
Em entrevista ao Diário de Goiás, o advogado especialista em direito imobiliário, Diego Amaral, afirma que o heliponto para carros voadores só exemplifica o que já acontece na capital há algum tempo. “Só vai fomentar o que já está acontecendo em Goiânia, por mais que seja algo que esperamos que seja testado em 2026, essa é a tendência, e os edifícios, principalmente um comercial específico, estão começando já a trabalhar isso desde 2024, na construção”, destaca Amaral.
De acordo com o especialista, sem dúvidas o empreendimento terá muitos interessados e a facilidade promete impactar, e muito, no valor do metro quadrado dos imóveis com o heliponto para carros voadores. “O que essa empresa está fazendo é antevendo, antecipando a situação para que, quando estiver sendo utilizado, ela já detenha o heliponto da cidade. As outras, se quiserem, vão ter que correr atrás, fazer todo o investimento, buscar licenças, enquanto isso, ela que vai utilizar. Fatalmente isso vai impactar no valor do metro quadrado”, acrescenta Diego Amaral.
Segundo o advogado, a modernidade atrelada a novas tecnologias será algo cada vez mais comum. Em Goiânia, por exemplo, já existem edifícios com elevadores especiais para carros, para que os veículos sejam estacionados dentro dos apartamentos; prédios com diferenciais como skylines, com vistas panorâmicas da cidade; imóveis comerciais com helipontos para aeronaves de pequeno porte; além de edifícios com abastecimento elétrico com energia solar.
Diego Amaral pontua que a busca por diferenciais em imóveis de alto padrão na capital se intensificou ainda mais após a pandemia, quando as pessoas começaram a investir mais no mercado imobiliário. “As pessoas passaram a querer morar melhor, de certa forma mudou um pouquinho a cultura do guardar para um pouquinho da cultura do aproveitar. Então as pessoas passaram querer ter mais espaço, buscar mais tecnologias e, naturalmente, passaram a ser mais exigentes”, destaca o especialista em direito imobiliário.
Para o advogado, um grande fator que acentua ainda mais essa discrepância em relação ao desenvolvimento de políticas públicas e de infraestrutura que beneficiem a população mais pobre é a morosidade da máquina pública. Enquanto os mais abastados podem adquirir facilidades para a vida cotidiana, como os carros voadores, a população tem de esperar e depender de ações do poder público, como a execução do BRT, por exemplo.
“Neste exemplo nós estamos falando de uma iniciativa do poder público, que por vezes, e por conta da morosidade da máquina, entre outras questões, trava isso. Por outro lado, nós estamos falando da iniciativa privada, que na verdade, busca cada vez mais tentar ser inovadora, trazendo novas tendências de possibilidades para os adquirentes, para os consumidores daquele produto”, detalha Diego Amaral.
Longa espera
Do lado dos menos abonados, há o BRT Norte-Sul que, em construção desde março de 2015, surgiu como uma promessa de melhorias para a mobilidade urbana na capital, mas continua apenas como promessa, mesmo. Com a entrega inicialmente prevista para 2020, os goianos viram a obras serem adiadas e retomadas por diversas vezes. Agora, a Prefeitura estima a entrega das operações do corredor de ônibus para até julho deste ano.
O secretário de Infraestrutura Urbana de Goiânia, Denes Pereira, argumenta que os atrasos foram provocados por problemas que afetaram o planejamento nos últimos anos. “Esta obra, de concepção em 2015, já era para ter sido entregue há três, quatro anos. Mas infelizmente havia vários problemas no projeto. Tivemos problemas também na área ambiental, e no próprio Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional], porque essa obra passa onde há tombamento, e isso a atrasou em muitas situações. Além da pandemia, quando faltaram insumos e mão de obra”, justificou.
O corredor de ônibus de transporte rápido vai interligar linhas que fazem o trajeto entre as regiões Norte e Sul de Goiânia. Conforme estimativas da Prefeitura, mensalmente, o BRT deve beneficiar mais de 150 mil cidadãos goianienses. Além dos investimentos nas obras do BRT Norte-Sul, a gestão pública municipal também aplicou mais de R$ 246 milhões no transporte coletivo da capital e Região Metropolitana ao longo dos últimos 21 meses, mas a espera que deveria ter sido de cinco anos, já perdura por nove.
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