23 de dezembro de 2024
Brasil • atualizado em 13/02/2020 às 09:27

Emagrecedores voltam ao mercado com “pistas” e insegurança jurídica

Um mês e meio após a sanção da lei que libera a produção, a venda e o uso de quatro inibidores de apetite, quem está atrás dessas drogas precisa recorrer a dicas para encontrá-las e estar disposto a pagar um valor até sete vezes maior do que era pago em 2011, antes de elas serem proibidas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) por falta de comprovação de eficácia.

O possível regresso das substâncias anfepramona, femproporex e mazindol ao mercado é alvo de impasse entre farmácias de manipulação e distribuidores.

Diante de informações de que já há farmácias recebendo encomendas de clientes, a Anfarmag (Associação Nacional das Farmácias de Manipulação) enviou comunicado às empresas alertando para o cenário de incerteza jurídica pela lei ser contra resolução ainda em vigor da Anvisa, “levando ao risco de […] ser responsabilizada civil, administrativa e ou criminalmente”.

Enquanto isso, pacientes correm em busca de farmácias que deem ou prometam acesso aos inibidores, mesmo com dúvidas sobre a origem e a segurança das drogas.

As drogas são antigas, não têm patente, tendem a custar pouco e, segundo endocrinologistas, eram boas opções quando bem indicadas. Novas drogas, como a liraglutida, apesar de eficazes e de terem perfil de segurança mais robusto, podem custar mais de R$ 1.000 por mês.

A reportagem ligou para 17 farmácias de diferentes cidades para saber se havia previsão de manipulação dessas substâncias. Duas delas afirmaram que já tinham anfepramona, que teria sido comprado da distribuidora Purifarma. Não há previsão de oferta de femproporex e mazindol.

Outras seis tinham previsão de receber a anfepramona nesta semana, com preços entre R$ 250 e R$ 350 por 60 cápsulas –em 2011, esse valor era de R$ 50.

Uma sétima, cujos valores cobrados pelos produtos circula nas redes sociais, com “oferta” de receita médica controlada, afirma que obteve uma quantia pequena para atender a demanda de um médico, que “já acabou”.

O restante das farmácias negou a oferta, afirmando que não havia liberação da Anvisa ou falta de fornecedores.

A reportagem tentou contatar a Purifarma para saber como ela obteve a anfepramona, mas não teve resposta.

INCERTEZA JURÍDICA

A Anfarmag afirma em nota que, embora tenha recebido informação de que há venda de anfepramona, “isso não significa que os medicamentos contendo essa substância estarão amplamente disponíveis para a população final”.

“Atualmente coexistem no Brasil normas que estabelecem diretrizes distintas em relação à manipulação de medicamentos anorexígenos, e isso cria um cenário de incerteza jurídica”, encerra a nota.

“A lei permite. Mas se houver fiscalização, a farmácia pode ter que se defender juridicamente”, diz Juan Carlos Becerra, do Sincofarma (sindicato que representa farmácias de manipulação de SP).

Posição semelhante tem José Abdallah, presidente da Abrifar (Associação de Distribuidores e Importadores de Insumos Farmacêuticos), para quem a lei precisa ser regulamentada pela Anvisa.

O presidente da Anvisa, Jarbas Barbosa, porém, afirma que não há como a agência estabelecer regras, fiscalizar ou controlar esses produtos.

“Criou-se o território do medicamento sem lei. Essa lei não vai atrair para o mercado produtores sérios, distribuidores sérios e farmácias sérias. Se uma pessoa que compra um medicamento desses, tem um problema grave, quem vai se responsabilizar?”

Barbosa afirma que a agência não recebeu pedidos de importação desses inibidores até agora. “E se alguém estiver fabricando, é por sua conta e risco, sem nenhum controle sanitário. Se alguém está prescrevendo, e se alguém está vendendo, também. É esse o cenário que a lei criou”.

Para José Correia, proprietário da Formil Química, empresa que fabricava anfepramona antes do veto, a lei teve “muito barulho e pouco resultado”. Segundo ele, ainda não há demanda.

Questionadas sobre a intenção de também voltarem a fabricar as drogas, farmacêuticas que vendiam os medicamentos antes de 2011 não quiseram responder. A reportagem apurou que, apesar da lei, o medo é que a queda de braço com a Anvisa interfira na avaliação e registro de outros medicamentos –todos têm de ser chancelados pela agência.

Ainda assim, para a estudante Jackeline Dias, 23, que usava anfepramona antes da suspensão, em 2011, a situação atual é de expectativa.

“Ainda estamos com medo porque não sabemos até quando teremos os produtos.” Segundo ela, os preços “salgados” informados pelas farmácias não intimidam. O receio, diz, é que haja nova proibição.

Membros da CNTS (Confederação Nacional de Trabalhadores de Saúde) dizem que a entidade deve ingressar ainda neste mês com uma ação direta de inconstitucionalidade no STF (Supremo Tribunal Federal) para tentar reverter a lei.

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