17 de novembro de 2024
Brasil

‘É um risco menor deixar o povo deliberar’, diz autor da PEC das diretas

Com a crise que se instalou sobre o país desde esta quarta-feira (17), ganhou força no Congresso uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que, na prática, estabelece eleições diretas em caso de renúncia ou cassação do presidente Michel Temer.

A proposta foi apresentada pelo decano da Câmara, deputado Miro Teixeira (Rede-RJ), ainda no ano passado. Naquela época, no entanto, foi barrada pelo então presidente da CCJ (Comissão da Constituição e Justiça), Osmar Serraglio (PMDB-PR), hoje ministro da Justiça.

Pelo texto da PEC, em caso de vacância do cargo de presidente a até seis meses do fim do mandato (na atual situação, até junho de 2018), novas eleições diretas deverão ser convocadas.

A Constituição estabelece, atualmente, que caso o cargo de presidente fique vago nos dois últimos anos do mandato o próximo ocupante será escolhido por eleições indiretas, ou seja, pelo Congresso Nacional.

O atual mandato já está nessa fase. Temer ocupa vaga conquistada em 2014 por Dilma Rousseff, de quem era vice. A petista sofreu impeachment em 2016.

“Acho que é um risco menor se entregar ao povo a deliberação. O povo pode acertar, o povo pode errar. Se estiver informado corretamente, ele acerta”, disse Miro à reportagem nesta quinta-feira (18). Ele está em seu 11º mandato de deputado e completa 72 anos no próximo dia 27.

A PEC está na CCJ da Câmara, a primeira etapa de tramitação. Há possibilidade, entretanto, de que seja votada na próxima terça (23) em decorrência da atual crise. Se passar na CCJ, ela vai para análise de uma comissão especial. Depois disso, tem que ser votada em dois turnos no plenário da Câmara e do Senado, com apoio de pelo menos 60% dos deputados e senadores.

Pergunta – O que exatamente diz sua PEC?*
Miro Teixeira – Eu acabo com essa história de eleição pelo Congresso Nacional e remeto a eleição ao voto direto do povo. É uma emenda constitucional de 2016, não é uma feita em função desta crise.

Então, por que o sr. fez esta emenda?
Teixeira – O código eleitoral que alteramos em 2015, no seu artigo 320, diz que quando houver causas eleitorais para a vacância, a eleição será direta a qualquer tempo. O procurador-geral da República arguiu a inconstitucionalidade deste artigo. Quando vi a arguição e vi o Supremo dar um ritmo especial para a tramitação desta Adin [ação de declaração de inconstitucionalidade], imaginei fazer a PEC. O relator, Esperidião Amin (PP-SC), deu parecer favorável. Procurei o então presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Osmar Serraglio (PMDB-PR), para que ele pautasse. Ele disse que não pautaria porque não achava oportuno. Tivemos até uma pequena discussão. Disse que era um ato de vontade. Logo depois, ele sai ministro da Justiça. E quem é o suplente dele? Rocha Loures (PMDB-PR) [um dos pivôs do atual escândalo político]. Como as peças vão se encaixando. Que coisa horrível se pratica aqui nessas atuações sombrias.

Quem eventualmente for eleito agora fica na Presidência até quando?
Teixeira – Até o fim deste mandato, até o final do ano que vem, com direito à reeleição.

As eleições seriam apenas para presidente?
Teixeira – Presidente e vice. Não há condição de convocar eleições gerais. Acho até que deveria, mas não há este instrumento.

Por que em 1988 optou-se por colocar eleições indiretas na Constituição?
Teixeira – Havia muita preocupação com direitos individuais e acabava se repetindo dispositivos da Constituição de 1946. Parecia algo razoável porque a cédula era de papel. A armação do processo eleitoral, a impressão das cédulas, a distribuição dessas cédulas pelo Brasil, a apuração dos votos, era tudo muito demorado. A preparação da eleição demorava muito naquela época, não era simples, então manteve-se a mesma redação da Constituição de 1946. Agora, não tem o menor sentido.

Voltou-se a discussão de sua PEC nesta semana, antes de a crise estourar. Por quê?
Teixeira – Desde a semana passada ou retrasada, algumas pessoas que se opunham à PEC começaram a refletir sobre o assunto tendo em vista a proximidade do julgamento do processo [da chapa Dilma-Temer] no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e, de repente, ser reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 320 do Código Eleitoral. As pessoas despertaram e começaram a conversar comigo para pautar. Membros da Comissão de Justiça, por iniciativa própria, fizeram um requerimento para o presidente pautar a PEC.

O sr acredita que agora a votação é possível?
Teixeira – Tudo depende sempre do apoio social. Não é brincadeira uma mudança na Constituição do Brasil. Há mudanças que são feitas aqui com muita facilidade, mas quando você tem uma mudança em favor do direito do povo, você pode enfrentar dificuldade. Acredito que vai haver um conjunto de manifestações a favor das [eleições] diretas. Já está se repetindo o grito das “Diretas já!”. As pessoas querem estabelecer eleição direta, mas querem também que o Temer reconheça que perdeu as condições de continuar no governo. A solução no caso de ele renunciar não pode ser uma eleição indireta. Tem que ser uma eleição direta.

O sr acredita mais na possibilidade de renúncia ou de impeachment?
Teixeira – Creio que a renúncia é o que faria melhor ao país e ao próprio Temer. Não havendo a renúncia, você tem a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) investigar o presidente da República por crime comum praticado no exercício do mandato. Haverá aqui dezenas de pedidos de impeachment, mas eles são demorados, um ano quase de tramitação. O Brasil não aguenta isso. O julgamento [da chapa, no TSE] está marcado para o dia 6 [de junho]. Talvez [pudessem] antecipar em uma semana, dar mais velocidade a isso. Claro que tudo isso vai ajudar aos juízes a formar convicção do que aconteceu ali com aquelas contas eleitorais. O resultado do tribunal poderá ser a solução mais ligeira.

Qual o risco de uma eleição indireta?
Teixeira – Retiro a questão de legitimidade da Câmara e do Senado porque foram legítimas as duas Casas do Legislativo para fazer o impeachment da Dilma. Não é essa a discussão. A discussão é a evolução do Brasil. Não existe uma forma de você medir que vai ser muito bom ou que vai ser muito ruim. É que o poder de eleger é do povo. Nós somos eleitos pelo povo. Temos essa delegação do poder originário da Constituinte para, nesta hipótese dos dois últimos anos, dar o voto para um candidato. Diante de tudo o que estamos assistindo, não sei se o processo indireto não acabaria mais viciado do que foi o processo direto de 2014. Acho que é um risco menor se entregar ao povo a deliberação. O povo pode acertar, o povo pode errar. Se estiver informado corretamente, ele acerta. O primeiro presidente da República eleito depois da abertura foi o Collor. Sofreu impeachment pela corrupção. Temos a Dilma, uma presidente que sofreu impeachment. O Lula está com um mundo de processos nas costas. Fernando Henrique passa a ser o único que não tem um processo formalizado contra ele. Tem alguma coisa errada no sistema brasileiro. Não vamos imaginar que alguma correção surgirá da retirada do povo do processo. É o contrário. Você tem que chamar mais o povo para as deliberações.


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