Depois de três anos de “emergência em saúde pública”, no último dia 5 de maio, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o fim da pandemia. Nesse meio tempo, muitas vidas mudaram, entre elas a de mulheres que foram mães no período mais crítico de isolamento social, corrida pela vacina e incertezas sobre a doença.
O Diário de Goiás ouviu três mães que deram à luz durante a pandemia. Para elas, o maternar teve um significado ainda mais forte. Viver uma fase de tantas mudanças, tanto físicas quanto emocionais, em meio a um cenário de medo e restrições, acentuou sentimentos e desafios.
Medo e incertezas
Para Kamila Pires, mãe da Laura e da Helena, que nasceu em abril de 2021, a parte mais difícil foi gerar uma vida convivendo diariamente com o medo de contrair o vírus. A mãe de segunda viagem conta que o principal desafio durante a gestação foi lidar com tudo isso junto às transformações da gravidez, que naturalmente já trazem sentimentos de medo, angústia e expectativas. “Estar gestante na pandemia foi bem difícil, tinha muitas notícias de grávidas que pegaram a Covid e tiveram complicações, isso me deixava com mais medo ainda, com isso fiquei com muito receio de pegar”.
O medo também foi companhia constante de Tainara Maia, mãe da Cecília, que nasceu em abril de 2020, auge do isolamento social e dúvidas sobre o vírus. A primeira gestação veio acompanhada de uma pandemia, da doença da mãe e do temor de todos os riscos que a Covid trazia.
A preocupação e a ansiedade fizeram com que Tainara mudasse os planos do parto. “Durante a minha primeira gestação eu já vivia com duas pessoas em situação de risco, minha mãe passava por uma quimioterapia e meu pai é idoso. No início eu queria fazer o parto normal, mas decidi marcar a cesárea para acelerar o processo e reduzir a minha ansiedade”, relata.
Puerpério no isolamento
Durante o isolamento social, além da gestação ter que ser acompanhada de longe por familiares e amigos, os bebês e mamães da pandemia também tiveram que pular etapas e abrir mão de momentos. A afetividade e o acolhimento ficaram restritos ao virtual.
Segundo Tânia Alves, mãe de dois meninos e da Thaís, caçula que nasceu em maio de 2021, o pós-parto longe da família grande e amorosa foi ainda mais difícil. “Eu não recebi nenhuma visita, ficamos só eu, minha mãe e meu marido. Foi aquela tensão, de não poder receber visitas, de ter que ficar quietos em casa, de ter medo de tudo, até do contato”, destaca.
Mesmo tendo outras gestações complicadas, ela relata que a última foi a mais desafiadora. O filho do meio, Adriel, nasceu na mesma época do surto de Zika vírus, a doença que foi responsável por malformações em milhares de bebês, que nasceram com microcefalias graves. “Com o meu filho do meio tinha toda essa questão com o Zika vírus, tinha todo esse receio, mas não a questão principal que eu vi na última gestação, durante a pandemia, que foi a restrição”, compara.
Para Tânia, não poder compartilhar e estar junto dos familiares no momento do nascimento foi algo que impactou. “Com o Zika vírus era mais uma questão de restrição para evitar o contato do mosquito com a mãe, mas ele teve visitas, então puderam ver, pegar, ser acolhido, ser bem recebido pela família, por todo mundo. A Thaís não, ela já teve essa restrição de demorar tanto tempo para poder ter outros contatos. Acho que a pandemia em si, além do medo da doença, que é real, a questão psicológica foi uma das coisas que mais afetou. A questão da afetividade também, dos contatos, do acolhimento”, declara.
De acordo com a psicóloga Núbia Canedo, que também é mãe da Lara de 9 anos, um dos impactos da pandemia para as mães foi ter que viver esse momento de forma solitária. “O principal impacto que elas podem ter vivenciado foi não poder contar com uma rede de apoio tão expansiva como num período sem pandemia, por causa do isolamento social”.
A psicóloga destaca, ainda, os fatores emocionais de conviver com o medo e com as adversidades de uma gestação em um período tão crítico. “As principais dificuldades emocionais e maternais que as mães vivenciaram nesse período da pandemia têm muito a ver com o estresse, o esgotamento”.
Retorno à normalidade
As crianças nascidas na pandemia, agora com 3 anos e 2 anos de idade, já começaram a vivenciar a fase das primeiras interações sociais, restritas durante o isolamento. Cecília, filha de Tainara, agora, já frequenta a escolinha. “No início, tínhamos medo da Cecília não conseguir fazer amizades com outras crianças, por ter passado os dois primeiros anos em casa convivendo só comigo e meu marido, mas ela adora socializar. Quando ela foi pra escola ficou encantada com tantas outras crianças da idade dela juntas”, conta a mãe.
No entanto, o medo ainda é figura presente diante de tanto cuidado vivido durante a gravidez e primeiros anos de vida em restrições sociais. “No retorno ao novo normal, a nova rotina, ainda continuava com medo e incertezas, com medo de expor as crianças em risco à contaminação, mesmo seguindo todos os protocolos”, destaca Kamila. Além disso, a falta de convivência com outras pessoas também marcou a filha. “A Helena ficou bastante apegada a mim, porque não teve muito contato com as pessoas”, completa.
Apesar dos pontos negativos de experienciar a maternidade na pandemia, o cenário também trouxe pontos positivos, como aponta Núbia. “Ajudou a estreitar a relação entre mães e filhos. As mães tiveram oportunidade de estar mais próximas dos filhos, acompanhando o seu desenvolvimento, o seu desempenho, vivenciando de perto as dificuldades, assim como também, as descobertas dos filhos. Acredito que esse foi um ponto positivo, a pandemia ajudou as famílias a estarem mais próximas”, pontua.
Segundo a psicóloga, o estreitamento dos laços e a maior proximidade com os bebês durante o isolamento social ressignificou o maternar. A volta à normalidade, mesmo que ainda engatinhando, trouxe novas e boas perspectivas de futuro. Para as mães da pandemia, o futuro já é agora, em que podem ver seus filhos crescendo saudáveis. O medo deu lugar à esperança.
Com o aumento da cobertura vacinal, junto do anúncio do fim da pandemia, Tainara celebra a descoberta de uma nova gravidez. “Sabemos que nosso filho ou filha nascerá em um contexto de mais segurança e terá experiências que a Cecília não teve nos seus primeiros anos de vida”, afirma.
Quando questionada sobre as expectativas futuras sobre a maternidade, ela destaca: “Espero que ele ou ela tenha mais contato com outras crianças, possam brincar com mais liberdade e tranquilidade, e receba ainda mais afeto das pessoas que amamos”. Na pandemia ou não, o maternar sempre estará intimamente relacionado com a transformação de caos em amor.
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