Em Goiás, diversas crianças e adolescentes aguardam em abrigos, por uma família, enquanto centenas de pretendentes esperam a chance de adotar. Entre a expectativa e o afeto, há um processo rigoroso para a adoção, que envolve etapas que garantem a segurança jurídica e emocional de todos os envolvidos.
Para adotar uma criança de forma legal, é preciso se cadastrar no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, apresentar documentação à Vara da Infância e da Juventude, passar por um processo de avaliação e análise judiciária, além de participar de um programa preparatório.
Dados
No Brasil, existem atualmente mais de 35.300 crianças acolhidas (em abrigos), mais de 5.600 cadastradas no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento como aptas para adoção, e cerca de 32.300 pretendentes ativos.
Somente no Estado de Goiás, são 846 crianças acolhidas. Destas, 151 estão disponíveis para a adoção. Por outro lado, 978 pretendentes aguardam na fila, conforme registro na manhã desta sexta-feira, 7 de novembro. Os dados são do Painel de Acompanhamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), atualizados em tempo real.
De acordo com a plataforma, 62 crianças estão em processo de adoção. A ferramenta aponta, ainda, 578 adoções desde 2019, e 2.522 reintegrações, desde o ano de 2020.
Requisitos
Os números exorbitantes, expostos no painel, refletem vários motivos. O principal: resguardar a integridade e o bem-estar da criança. Por trás de cada história de espera e acolhimento, há o trabalho de profissionais e instituições que acompanham cada passo, desde a habilitação dos adotantes até o acompanhamento pós-adoção.
O coordenador da Área da Infância e Juventude do Ministério Público de Goiás (MP-GO), o promotor Pedro de Mello Florentino, explica que após se tornar apto para o processo de adoção, o interessado deve aguardar a disponibilização de uma criança. Já as crianças acolhidas, só ficam disponíveis para adoção após descartadas todas as possibilidades de reintegração à família natural e a realização de uma total destituição familiar.
Outro fato que chama a atenção está voltado às exigências de quem deseja adotar, visto que, ao se cadastrar no sistema, o interessado tem a opção de escolha por gênero, idade, raça, dentre outros requisitos, como aceitação de crianças com deficiência ou problemas de saúde, grupos de irmãos, dentre outras opções.
“A fila varia muito de acordo com o perfil da criança que a pessoa quer adotar. Dependendo da escolha, ela fica em uma fila muito grande. Por outro lado, se ela optar para um perfil mais aberto, com faixa etária maior, independentemente da idade, raça e sexo, o processo é bem mais rápido”, explica Florentino.
Segundo o promotor, a maioria das pessoas desejam adotar bebês. Por isso, quando surge uma entrega voluntária, cujo índice é menor, o processo ocorre de forma célere. Neste caso, a mãe entrega a criança para o Juizado da Infância, por meio de um procedimento legal.
“É feita uma audiência com essa genitora e, se ela confirmar o seu desejo, a criança é encaminhada para a adoção e entregue para um casal habilitado pelo Poder Judiciário”, enfatiza Florentino. “É por isso que no Brasil nós temos, de um lado, uma fila grande de pessoas que querem adotar e, do outro, uma fila grande de crianças para serem adotadas”, salienta o promotor.
Processo para adoção e adaptação à nova família
De acordo com Florentino, o processo da adoção passa por várias etapas, assistidas em Goiás pelo Poder Judiciário, por meio da Vara da Infância e da Juventude e do Ministério Público. Segundo o promotor, a inserção da criança na nova família deve ser realizada de forma gradativa e acompanhada por profissionais da área.
“Quando chega na vez de um determinado adotante, é feita uma ação de adoção e um estágio com a criança para adaptação. Hoje, nós temos grupos de apoio à adoção no Estado, que fazem um trabalho importantíssimo durante o período de adaptação”, explica.
Os possíveis adotantes se tornam aptos, de acordo com o MP-GO, após passar por avaliação técnica, composta por entrevistas, visitas domiciliares e, quando necessário, aplicação de teste psicológico, além de Curso de Preparação Psicossocial e Jurídica (PPJ).
Quando a Justiça verifica a existência de uma criança apta à adoção com o perfil pretendido, é feito o contato com a família e inicia-se a fase de aproximação. “A criança ou adolescente começa a ser preparado para conhecer o pretendente que, por sua vez, é informado sobre sua história”, explica um conteúdo elucidativo disponível no Portal do MP-GO, sobre as etapas e exigências da adoção.
“Esta fase de aproximação é acompanhada pela equipe técnica. Se, durante este estágio de convivência, o relacionamento correr bem, o pretendente recebe a guarda provisória, que terá validade até a conclusão do processo”, salienta a publicação, com a afirmativa de que a equipe técnica apresenta uma avaliação conclusiva ao Ministério Público e, ao final do prazo da guarda provisória, é ajuizado o pedido formal de adoção, seguida da sentença.
Após esse processo, uma nova certidão de nascimento poderá ser lavrada com o novo nome do filho, “que nasceu por meio da adoção e irá usufruir de todos os direitos e deveres de um filho biológico”, segundo o MP-GO.
Atualmente, o processo de adoção só pode ser realizado com intermédio do Poder Judiciário. De acordo com o MP-GO, a Lei nº 12.010/2009 prevê que a adoção em favor de candidato não cadastrado previamente no Sistema Nacional de Adoção somente pode acontecer em três casos específicos, previsto no artigo 50, parágrafo 13º da lei.
Um deles diz respeito à adoção unilateral, que é quando o padrasto quer adotar o filho da companheira ou vice-versa. O MP-GO explica, no entanto, que antes da concretização, a mãe ou o pai biológico são procurados para darem a anuência à destituição do poder familiar ou para que registrem o filho.
A segunda hipótese é o pedido formulado por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade. Neste caso também deve ficar comprovada a afetividade e o convívio da criança com os pretendentes.
Por fim, o MP-GO aponta os pedidos de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de três anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé, subtração da criança ou adolescente (artigo 237 do ECA) ou entrega mediante pagamento ou recompensa (artigo 238 do ECA).
Histórias reais
Em Goiás, existem diversos casos de adoção realizados com sucesso. Um deles foi descrito à reportagem pela funcionária pública Cláudia Alves, que permaneceu quase oito anos na fila de adoção, até ser agraciada com uma criança.
“Eu e meu esposo queríamos muito ter filhos. Quando descobrimos que não poderíamos, logo partimos para o processo de adoção”, conta. “Entramos com o desejo de ter um filho, apenas. Não importava as características, sexo, nem idade. Queríamos apenas alguém para amar. Quando ela chegou em nossa casa (em 2022), foi um momento mágico. É um amor indescritível. Valeu a pena toda a espera”, relatou a mãe, emocionada, meses após a criança entrar para a família.
Dois anos depois, o casal foi novamente agraciado com outra criança. Uma menina, de quase cinco anos de idade, que permaneceu em um abrigo desde os seus primeiros meses de vida, em função do processo de destituição da família biológica. “Ela tem consciência de que estava no abrigo e de que agora tem uma família. Nos pergunta e a gente sempre conta como foi que tudo aconteceu. Continuamos visitando o abrigo, porque ela faz questão de ir, fazemos lanche com as crianças que ainda estão lá, levamos presentes”, contou a mãe adotiva.
“Foram muitos anos buscando isso, lutando pela maternidade e Deus nos honrou com duas crianças. Pensa, que maravilha?! A casa está cheia de energia, agora. Estamos muito felizes com essas duas mocinhas”, comemora.
Um final feliz semelhante não pôde, entretanto, ser compartilhado pelo publicitário Kaio Costa. Embora tenha excluído todos os filtros existentes durante o cadastro de adoção, participado de todas as etapas ao lado de seu marido, o casal desistiu do processo após sete anos na fila de espera. “A gente colocou que aceitava todas as opções, participamos dos cursos, estávamos aptos e, ainda assim, permanecemos esse tempo todo esperando, sem nenhuma esperança”, conta.
O sentimento demonstrado pelo publicitário, que abriu mão de uma grande oportunidade de trabalho em função do sonho da adoção, é de profunda tristeza. “Era muito doloroso abrir o sistema do Projudi, ver o nome como apto, o desejo enorme em ter uma criança em nosso lar e não poder, porque o sistema jurídico dificulta”, desabafa.
Por outro lado, a mãe adotiva agraciada com duas crianças estimula a quem espera. “Para as famílias que pretendem adotar, eu deixo uma mensagem: não desistam dos seus sonhos. Deus tem um propósito na vida de cada um de nós e de cada criança que está num abrigo espalhado por esse Brasil. Se for para ser seu(ua) filho(a), será”, destaca Cláudia, com a afirmativa de que “a maternidade vem do coração e não do útero”.
A prova de que a conexão entre pais e filhos pode, muitas vezes, ir além do vínculo sanguíneo, é demonstrada na relação familiar descrita por uma família goiana, que preferiu não ter os nomes identificados. Após dez anos de casados, sem a esperança de ter filhos, em função de problemas de saúde, o casal foi agraciado com o melhor dos presentes que a vida poderia lhes dar.
Dias após a mulher passar por uma cirurgia para retirada de mioma, o casal foi surpreendido com a chegada de seu filho, um bebê que teria sido entregue pela mãe biológica a uma assistente social, para doação, logo após dar à luz. “Eu estava meio ‘deprê’ e ele chegou como um presente para a minha vida. Não estava programado, mas foi da forma que deveria ser: um resgate de almas”, descreveu a mãe adotiva, que destaca, ainda, a afinidade existente entre eles.
“Tanto a semelhança física, quanto de personalidade da gente, é muito grande. O que ele não tem de parecido comigo, ele tem do pai. Eu falo que é um resgate de outras vidas e a minha missão talvez era essa”, contou.
Hoje, com mais de 30 anos de idade, o sentimento exposto pelo filho adotivo é de gratidão. “Minha mãe é minha vida. Só tenho a agradecer pela família que tenho. Todos os dias ajoelho, rezo e agradeço por ter os dois na minha vida. Eu nasci virado para a lua”, correspondeu o filho.
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