Uma audiência pública realizada na Assembleia Legislativa de Goiás (Alego), nesta quarta-feira (15), foi espaço para ouvir relatos graves de negativas de cobertura e do impacto das auditorias médicas nas operadoras de planos de saúde, em prejuízo dos usuários que pagam essas empresas, enquanto elas registram lucros crescentes.
O encontro foi solicitado pela comissão de operados da Hapvida, liderada pelo empresário Márcio Lima, cuja história já foi citada pelo Diário de Goiás, e trouxe à tona também as situações extremas que levam à judicialização em busca de garantir direitos.
Representantes do Judiciário, Defensoria Pública, Procon, OAB, médicos e usuários de planos de saúde participaram do debate sobre os desafios enfrentados pelos consumidores do sistema de saúde suplementar.
O juiz de Direito Eduardo Pérez, coordenador do Núcleo de Apoio Técnico ao Judiciário (NATJUS) do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), destacou a função essencial do Judiciário na mediação de conflitos entre pacientes e operadoras.
“O Judiciário mais ouve do que fala. É a função do Judiciário primeiro ouvir, ver o que está acontecendo e depois lidar com isso”, afirmou. Pérez ressaltou que, enquanto a maioria das demandas envolvendo planos de saúde é individual, o NATJUS já registrou mais de oito mil consultas em 2025, fornecendo suporte técnico e científico a magistrados de primeiro e segundo grau.
Segundo o magistrado, a judicialização é um “sintoma” de problemas maiores no atendimento de saúde: “Temos que olhar para a raiz do problema. Foi mal atendimento? Uma pretensão não atendida? O cidadão teve que acionar o Judiciário porque não recebeu o que tinha direito?”
Ele ainda reforçou a importância de ouvir a população diretamente: “Vir aqui e ouvir a população na casa do povo, através de representantes eleitos, é muito importante. Saímos do processo para entender a dinâmica que acontece antes do processo”.
Defensoria Pública: Defesa dos Hipervulneráveis
A defensora pública Bruna Comide Correia destacou que a Defensoria atua diariamente na defesa de consumidores lesados por negativas de planos de saúde, cancelamentos indevidos, aumento abusivo de mensalidades e erros médicos.
“A audiência pública é, acima de tudo, um espaço de escuta. Muitas vezes tentamos solucionar extrajudicialmente, mas quando não conseguimos, o Poder Judiciário precisa garantir o tratamento e restabelecer o direito dos pacientes”, explicou.
Ela reforçou que os consumidores mais vulneráveis como crianças autistas e idosos dependem de ações rápidas, e que a atuação conjunta da Defensoria, Judiciário e Legislativo é essencial para garantir o direito à saúde.
Procon Goiás: Fiscalização e Denúncias
Lívia Magalhães de Oliveira Abreu, fiscal do Procon Goiás, explicou que o órgão tem recebido mais de 140 denúncias anuais contra operadoras de planos de saúde, principalmente por negativas de exames e consultas, e destacou a atenção especial aos hipervulneráveis.
“Não é aceitável que o consumidor pague caro e não seja atendido no momento em que precisa. A saúde não espera”, afirmou. Abreu reforçou que o Procon atua diretamente com operadoras para liberar procedimentos, além de abrir processos administrativos quando necessário.
OAB e Advocacia
Otávio das Lacerda dos Reis, presidente da Comissão de Direito do Consumidor da OAB-GO, reforçou a necessidade de união entre órgãos de defesa do consumidor: “Se as operadoras se unem, nós também devemos nos unir para garantir o direito à saúde.”
Wendejus Amnori, representante da Comissão de Direito da Saúde da OAB, comentou sobre o desafio do equilíbrio entre os interesses das operadoras e os direitos dos pacientes: “O problema surge quando é preciso um pouco mais do básico, como assistência especializada. Isso torna o serviço caro, e surge a judicialização. Precisamos que o Legislativo atue para equilibrar essa balança”.
Saúde Suplementar: Lucro x Acesso
O médico José Ramalho Neto, presidente da Aliança Nacional em Defesa da Ética na Saúde Suplementar, apresentou dados que expõem a disparidade entre lucros e atendimento. “O lucro das operadoras de saúde só em 2024 foi de 11 bilhões de reais, um crescimento de 271% em relação a 2023. Só nos primeiros seis meses de 2025, já bateu 13,2 bilhões de reais”, afirmou.
Ele criticou o modelo de auditoria adotado por algumas operadoras: “Auditoria médica é um ato médico e deve ser feita por médicos com CRM ativo. Não pode ser feita por enfermeiros, técnicos de enfermagem ou administradores, visando apenas interesses financeiros. O paciente sofre quando o diálogo técnico entre médico auditor e assistente não acontece.”
Segundo Ramalho, essa prática gera negativas sistemáticas, atrasos de tratamentos e contribui para o aumento da judicialização da saúde.
Depoimentos de Usuários: Histórias de Negligência e Superação
Vários usuários compartilharam experiências de dificuldades em acessar tratamentos médicos. Uma paciente relatou: “Minha vida foi devastada. Saí do hospital supersequelada e sem auxílio. Só consegui atendimento adequado pelo SUS após duas tentativas frustradas pelo plano de saúde.”
Outro advogado destacou o descumprimento de liminares pelos planos: “Mesmo com decisão judicial, os planos negociam valores com prestadores antes de cumprir o que foi determinado, atrasando o tratamento de pacientes em risco iminente de morte.”
Propostas e Encaminhamentos
Entre as propostas discutidas, destaca-se a criação de um PROCON Saúde, que funcionaria como um departamento específico para receber denúncias relacionadas a planos de saúde. O objetivo é agilizar o atendimento e oferecer suporte especializado ao cidadão.
O encontro contou com a presença de autoridades como o presidente da Comissão Especial de Saúde Suplementar do ABE, representantes do Ministério Público, OAB, Procon e Defensoria Pública, além de médicos, advogados e usuários.
O debate reforçou a urgência de revisão de processos, maior transparência nas auditorias médicas, fiscalização efetiva e equilíbrio entre lucro das operadoras e direitos dos consumidores, consolidando a audiência pública como um passo importante para a melhoria do sistema de saúde suplementar em Goiás.
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