Sobre as ruínas de um sistema de irrigação em Três Barras, no município de Cristalina (GO), construído com recursos federal e estadual, e que nunca foi usado, o governo de Goiás anunciou novo projeto para atender os produtores rurais da região a um custo estimado de R$ 66 milhões. O esqueleto milionário foi o que sobrou de um escândalo de superfaturamento , inconsistências no projeto e inviabilidade técnica . O presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Três Barras, Paulo Antônio Alves, alerta: “Vão fazer besteira de novo , querendo enfiar a (nova) proposta goela abaixo dos produtores ”
R$ 40 MILHÕES PELO CANO DA BUROCRACIA
Autor(es): HELENA MADER Enviada especial
Correio Braziliense – 04/03/2013
Cristalina (GO) — As obras de irrigação do assentamento Três Barras, a 130km de Brasília, consumiram quase R$ 40 milhões em seis anos, mas nunca beneficiaram um único produtor rural sequer. A construção do sistema, concluída em 2003, se transformou em um escoadouro de recursos públicos e em um grande escândalo de corrupção. Como a obra de irrigação nunca entrou em funcionamento e as estruturas ficaram abandonadas nos últimos anos, o governo de Goiás decidiu deixar de lado o esqueleto milionário e começar um novo projeto. No mês passado, a Secretaria Estadual de Agricultura anunciou oficialmente o que todos da região já sabiam: a gigantesca obra, apesar de pronta, nunca entrará em funcionamento. O governo vai começar do zero um empreendimento para levar água aos produtores rurais de Cristalina, o que pode custar mais R$ 66 milhões. Os processos administrativos que apuram os desvios de recursos da construção abandonada até hoje não foram concluídos.
O lançamento da nova iniciativa já é alvo de críticas dos trabalhadores da região, que temem uma repetição do desperdício de dinheiro. Eles cobram ainda providências para penalizar os envolvidos no maior escândalo de corrupção da região: dez anos depois da entrega do projeto Três Barras, o Estado ainda não conseguiu reaver os recursos desviados nem responsabilizar os responsáveis pela sangria de verba pública. O escândalo ainda é investigado pelo Ministério Público Federal, pelo Tribunal de Contas da União e pelo Tribunal de Contas Estadual de Goiás.
Em 1997, o Ministério do Meio Ambiente e o Governo de Goiás firmaram um convênio para a construção do sistema de irrigação do assentamento Três Barras, criado pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 1988. A empresa Gautama, posteriormente denunciada por uma série de irregularidades na Operação Navalha, desencadeada pela Polícia Federal, foi contratada para a empreitada. O valor inicial da construção era de R$ 29,2 milhões. Mas o custo final ficou em R$ 38,9 milhões, depois de vários aditivos no contrato.
Uma série de irregularidades no projeto levaram à construção de um sistema de irrigação falho, que nunca entrou em funcionamento. Auditorias do Tribunal de Contas apontaram erros como a captação de água em uma distância maior do que o necessário. Com isso, foi preciso instalar um sistema de bombeamento muito potente, o que exigiria um gasto colossal de energia elétrica. As apurações também apontaram a ausência de um estudo de viabilidade técnica, econômica e social do projeto e indicaram ainda que os beneficiários não foram consultados sobre a elaboração do projeto e sobre as tarifas de água e energia. Diante dos custos altos, os produtores não aderiram ao projeto de irrigação. Essa sucessão de problemas fez com que o sistema virasse um esqueleto abandonado em meio às terras rurais de Cristalina.
O presidente da Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Três Barras, Paulo Antônio Alves, denuncia o desperdício de dinheiro na obra desde o início da construção. Há quase 16 anos, ele luta pela implantação de um sistema eficaz para irrigar as terras dos trabalhadores. Alves teme a retomada do projeto. “Vão fazer besteira de novo, querendo enfiar a proposta goela abaixo nos produtores”, reclama o presidente da entidade. Ele também denuncia o descaso com a obra abandonada. “O material da construção antiga está aqui abandonado. Outro dia um caminhão parou e foram roubados equipamentos como transformadores e bombas de irrigação. E ninguém faz nada”, acrescenta Alves.
Ele explica que o projeto precisa ser feito com bombas para cada propriedade, em vez de um sistema único para bombear água para todas. “Na obra da Gautama, foi usada uma bomba pressurizada para todos os lotes. O ideal era um pivô para cada lote e brigamos por isso desde o início. Mas da forma como a ideia do novo projeto foi discutida até agora, ela só vai beneficiar 40 dos 180 produtores de Três Barras”, reclama o produtor.
O Governo de Goiás reconhece que o sistema de irrigação abandonado em Três Barras não será mais utilizado. O superintendente de Irrigação da Secretaria de Agricultura de Goiás, Alécio Maróstica, explica que o projeto anterior, que nunca entrou em funcionamento, “está defasado e hoje é economicamente inviável”. Ele afirma que o objetivo do governo é fazer um sistema “mais simples, barato e de fácil administração”. Ainda não há orçamento para a nova obra, mas ela pode custar até R$ 66 milhões. O custo estimado para irrigar um hectare é de R$ 6 mil e a área tem 11 mil hectares. Mas o governo espera baixar esses valores na elaboração do projeto. “Vamos tentar reaproveitar o que sobrou do antigo projeto. Sobraram 11 mil canos plásticos, vamos fazer uma avaliação desse material”, acrescenta Alécio Maróstica.
“Quando assumimos a superintendência, já existia aquilo lá. A saída é um novo projeto. Não porque fizeram errado, na época a irrigação era daquela maneira. Mas com o passar do tempo, o uso ficou economicamente inviável”, explica Alécio. “Estamos licitando novos estudos de projetos. A ideia é fazer um sistema individualizado ou para apenas dois ou três produtores. Os detalhes serão definidos na elaboração dos estudos”, explica o superintendente. Os métodos mais adequados também devem ser decididos no levantamento: gotejamento, micro aspersão ou a colocação de pivô central. No assentamento de Três Barras, os produtores trabalham principalmente com fruticultura e com produção de café e hortaliças.
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