08 de agosto de 2024
Política

Deu na Carta Capital: Em Goiás, liberdade de imprensa surpreende

Por Lênia Soares

A revistaria da Praça Tamandaré, em Goiânia, uma das mais movimentadas da cidade, foi abertas às 8 horas deste sábado 27. Em menos de seis horas de funcionamento, a venda de CartaCapital foi três vezes maior que o saldo de saídas semanais. “Um recorde”, disse Célia Morais, responsável pela banca.

O caso merece destaque pelo inusitado. “Apesar de trazer uma bomba contra o governador do Estado, Marconi Perillo (PSDB), os exemplares chegaram normalmente”, acrescentou a vendedora.

Eis a questão: a notícia do ano – de maior repercussão até agora -, em Goiás, está na capa de CartaCapital, com denúncia que coloca o governador tucano no epicentro de um esquema ilegal de espionagem. O maior espanto por parte dos leitores e comerciantes, porém, foi com a liberdade de imprensa. “Dessa vez, permitiram a circulação da revista”, disse, entusiasmada, Célia Morais.

A ideia de “permissão” remete a abril do ano passado. Na época, o jornalista Leandro Fortes revelou o esquema de funcionamento da contravenção liderado pelo bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com influência direta no Palácio das Esmeraldas, sede do governo goiano. A notícia veio estampada com o título: ‘O crime domina Goiás’. Os exemplares sumiram, em ação creditada ao governador como forma de tentar impedir que os goianos tivessem acesso à revista.

“Falaram que alguns carros sem placas passaram em algumas bancas comprando todas as revistas. Aqui (na Revistaria Tamandaré), elas (as revistas) nem chegaram”, relatou Célia.

Dessa vez, a estratégia foi diferente. Não houve represália ou tentativa de inibição da notícia. Todos os esforços se voltaram para a desconstrução da informação.

Jornalistas de todo o Estado – principalmente os que mantêm cargo no governo – foram para as redes sociais. Vestiram a camisa e deram a ‘cara a tapa’. Críticas e mais críticas foram ruminadas para tentar desqualificar o teor da reportagem. No geral, discutiram assuntos diversos, menos o essencial: o conteúdo, que mostra a vulnerabilidade dos cidadãos goianos a um aparato paralelo de espionagem.

Um dos que colocaram em xeque CartaCapital foi o editor do jornal O Popular, de maior circulação diária no Estado e do grupo de comunicação afiliado à Rede Globo. “A revista sequer nos procurou, ou Adib ou Thiago, para perguntar algo. Por isso digo que esta reportagem não tem apuração”, disse, no Twitter.

A repercussão, no entanto, foi muito além das redes. Na revistaria do primeiro piso do Shopping Flamboynt, em Goiânia, o comerciante João Alves, de 68 anos, lia, atentamente a reportagem do jornalista Leandro Fortes, no início da tarde de sábado.

“Confesso não ser leitor assíduo de revistas. Quando vi a notícia da capa, porém, não pude deixar de comprar”, disse. “É uma vergonha para o nosso Estado. É triste admitir que chegamos ao fundo do poço. Elegemos um homem que não respeita mais a opinião pública. A sensação de impunidade do Marconi sobrepõe qualquer resquício de dignidade ou princípios que deveriam pautar a gestão pública”, afirmou.

João Alves, mesmo distante das redes sociais, contou que também ouviu críticas contra a reportagem. “Ouvi um jornalista falando que o governador é inocente. Tenha dó! Independente da legalidade das provas que embasaram esta denúncia, elas estão aí. Onde há fumaça, há fogo. Não é possível todas as desconfianças, conversas interceptadas, negociações mal esclarecidas estejam erradas. Fora do contexto. Querer contornar a situação é subjugar a capacidade mental do eleitor”, afirmou.

Em outra banca da cidade, localizada na Praça do Sol, o vendedor Winglitto Lima, de 16 anos, tornou-se leitor da CartaCapital após esta última denúncia. “Ontem, antes da revista chegar, muita gente veio procurar. Todos faziam reservas, pediam ansiosos pra eu guardar um exemplar. Fiquei tão curioso que não pude deixar de ler.”

Ao ser questionado sobre o que achou do conteúdo, o estudante foi incisivo: “Nossa, pelo que eu entendi aqui, está tudo errado. O governador do Estado faz parte de um grupo criminoso.”

A adesão de novos leitores foi um dos efeitos da CartaCapital dessa semana. “Os leitores fieis fizeram reservas antecipadas. O engraçado foi que muita gente que nunca compra revistas, comprou. Outros folhearam aqui na banca e não resistiram”, contou Isaias Silveira, vendedor da banca da Praça Cívica, na capital.

Em Aparecida de Goiânia, cidade da região metropolitana administrada pelo ex-senador Maguito Vilela (PMDB), o dono de uma revistaria disse que há muito tempo não vende mais revistas em sua banca. “Com a internet pedi muitas vendas. Dessa vez, no entanto, vou comprar um exemplar pra mim.”

Só quem não se manifestou sobre o assunto foi o próprio governador. O fato é que, gostando ou não, o tema hoje é de domínio público e pauta as conversas em botecos, cafés, universidades e pontos de ônibus. Sem permissão. Sem censura.


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