23 de dezembro de 2024
Especial • atualizado em 13/02/2020 às 10:02

Desnutrição é a doença mais prevalente nos hospitais brasileiros, alerta médica

Dra. Maria Isabel Correia (com microfone) fala sobre desnutrição durante brunch em São Paulo (Foto: Lauro Uezono)
Dra. Maria Isabel Correia (com microfone) fala sobre desnutrição durante brunch em São Paulo (Foto: Lauro Uezono)

A desnutrição atinge mais de 50% dos pacientes internados em hospitais brasileiros. De acordo com a Dra. Maria Isabel Correia, médica e especialista em nutrição, com base em dados é possível afirmar que a desnutrição é a doença mais prevalente nas unidades hospitalares brasileiras.

Em entrevista ao Diário de Goiás, a médica afirmou que o principal a se fazer é reconhecer a desnutrição como problema. Dessa forma, as pessoas passarão a se preocupar com este fator que está associado a complicações importantes, tempo de internação aumentado, maior mortalidade, além de maiores custos.

Maria Isabel é uma das autoras do estudo “Desnutrição Hospitalar e Domiciliar e Terapia Nutricional no Brasil. Estratégias para minimizar: um Posicionamento”, um documento síntese e revisado do estudo IBRANUTRI, realizado em 2016, pelo Dr. Dan Waitzberg. Após mais de 20 anos, o problema se mostra semelhante e aponta ainda que os pacientes sobre o impacto da negligência no cuidado nutricional, quando tratados em casa, aumentando a readmissão hospitalar.

Leia a entrevista na íntegra:

Estamos acompanhando um diagnóstico que revela que 60% dos pacientes internados têm problemas de desnutrição. Por que esse diagnóstico é o mesmo há 20 anos?

Na verdade, o problema ocorre há mais de 20 anos. O problema é antigo. São 20 anos que temos dados brasileiros, mas pelo mundo isso é descrito desde meados do século passado. Sem dúvidas é um dos problemas mais prevalentes nos hospitais. A desnutrição afeta pacientes que podem ir até 70% de acordo com a doença do indivíduo e está associado a complicações importantes, tempo de internação aumentado, maior mortalidade e, obviamente, custos também aumentados.

Essa realidade poderia ser mudada através de quais caminhos?

O primeiro grande caminho é reconhecer que existe problema, e isso, infelizmente, é algo não tão real. É preciso entender que desnutrição é uma síndrome importante, que afeta um grande número de pacientes e que pode ser prevenida e tratada, concomitantemente com os demais tratamentos dos doentes. Infelizmente essa parte ainda é esquecida em detrimento de tratamentos da doença principal.

Os pacientes com desnutrição têm mais dificuldades na recuperação ou para enfrentar a doença?

Sem dúvida. Pacientes com câncer, desnutridos, eles respondem pior aos tratamentos quimioterápicos, radioterápicos, as operações, ou seja, eles têm maior probabilidade de complicações e não só, muitas vezes eles precisam de um tratamento complementar suspenso temporariamente, de forma que eles consigam se recuperar em defesas, no bem estar geral, para continuar a enfrentar a quimioterapia e a radioterapia.

Os hospitais têm profissionais que fazem essa avaliação com frequência, ou no Brasil há um certo descuido em relação a isso?

A lei brasileira é clara. A lei surgiu depois dos primeiros estudos em que nós mostramos isso quase há 20 anos. A lei diz que os hospitais têm que ter equipes formalmente constituídas, e os pacientes assim que entram no hospital tem que ser submetidos a uma triagem, que é uma avaliação simplificada que identifica fator de risco, e se há risco de desnutrição, devem então ser avaliados. A gente sabe é que temos leis muito boas, mas que não são seguidas. Na área da saúde, nós estamos a “brincar” com gente, e gente que sofre.

Qual a relação entre a nutrição que o paciente recebe no hospital e a garantia, e as condições que ele tem para enfrentar a desnutrição?

Idealmente nós sempre dizemos que a melhor nutrição é comida. Mas nem sempre é possível. Não só porque o doente pode estar sem apetite, que é extremamente comum, mas outras vezes, ele pode não conseguir engolir, por exemplo, outras vezes porque tem problemas de mastigação, não consegue absorver direito, foi operado, está com vômitos. Nesses casos, nós temos que usar uma terapia nutricional mais complexa, seja com suplementos, ou seja, tornando o pouco que ele come mais denso, mais rico, ou até mesmo com a colocação de cateteres, no nariz, ou diretamente no estômago, em até casos mais selecionados, com indicações precisas de nutrição na veia. Nós temos meios para combater e minimizar o problema, temos que indicar mais.

O suplemento oral, em alguns casos, pode ser suficiente ou há muita dúvida sobre eles?

Cada caso é único e nós não podemos generalizar. Mas sem dúvida nenhuma, casos seletos são resolvidos, muitas vezes, só com suplementos. Outras vezes, são insuficientes. Cada vez mais a importância de que cada caso é único, e cada fase do tratamento também. Eu tenho pacientes que já passaram pelas distintas formas de tratamento nutricional durante o curso da doença.

Os idosos são mais afetados pela desnutrição na internação hospitalar?

Sim. O idoso tem vários fatores de risco. Primeiro, a própria idade que as vezes o mantém no ambiente domiciliar ou institucional fora do convívio com os demais, ele tem isolamento social, que o leva as vezes a comer pouco e mal. Segundo, é comum no nosso país que idosos faltam dentes, o que dificulta a variedade da alimentação. Outro aspecto é que o idoso tem outras doenças associadas e usa grande quantidade de drogas que podem diminuir o apetite, interferir na absorção de nutrientes e, por último, tem a questão da própria doença que o leva ao hospital, que é o maior fator de risco.

No geral, a gente não vê o assunto nutrição hospitalar sendo abordado dentro do sistema de saúde no país. Falta um alerta sobre o assunto?

Eu acho que está. Nós falamos sobre obesidade que é sem dúvida um problema de saúde pública, mas nos esquecemos que até mesmo por trás da obesidade, em doenças, nós temos desnutrição. Então há uma falta de conhecimento do problema. A primeira maneira de combate-lo é identificar e reconhecer que o problema existe. Nós precisamos conversar mais, alertar a população, os interessados. Hoje todo mundo sabe que se deve fazer uma mamografia, existem campanhas que salientam a importância da mulher fazer a prevenção, o Outubro Rosa, mas poucos são aqueles que abordam esse problema que, ao no meu entendimento, é o a doença mais prevalente em todos os hospitais: desnutrição.

Dados mostram isso efetivamente?

Se 50% dos doentes dos hospitais, isso nós temos dados, estão desnutridos, eu não conheço nenhuma outra doença que leva o indivíduo a ser internado e que tenha uma taxa tão alta. É por isso, que com dados, eu te afirmo que é a doença mais prevalente nos hospitais.

As pessoas têm medo das bactérias em hospitais, mas não tem medo da desnutrição?

Fantástico. Sem dúvida, mas a bactéria, hoje em dia, todo mundo sabe, e a desnutrição, quem se preocupa com isso?

Ao analisarmos a situação, qual a política pública necessária contra a desnutrição no país?

Nós temos a lei. Existem portarias que apontam o nosso primeiro estudo publicado em 2001. Falta fazer com que elas sejam cumpridas, ou seja, nós somos um país ótimo para fazer leis, um país péssimo para auditar as leis, falta auditoria.

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