23 de dezembro de 2024
Brasil

Democracia não está livre do totalitarismo, diz Pondé em debate

(Foto: Canal no Youtube do Luiz Felipe Pondé)
(Foto: Canal no Youtube do Luiz Felipe Pondé)

“A ideia de que mais democracia resolverá os problemas da democracia é uma ilusão.”

Assim, com o tom provocador que lhe é habitual, Luiz Felipe Pondé iniciou uma discussão a respeito da crise nas sociedades democráticas.

Na noite de terça (21), ele dividiu o palco do auditório da Livraria da Vila, em São Paulo, com o professor Fernando Schüler, ambos colunistas da Folha de S.Paulo. A mediação foi de Uirá Machado, jornalista da publicação paulista e editor da “Ilustríssima”.

Para Pondé, é necessário combater mitos e tomar consciência de que um mal-estar ronda a democracia em muitos países.

Não é verdade, defende, que a participação popular seria sempre a melhor solução para os impasses, nem que o sistema democrático experimentaria progressos sucessivos à medida em que as pessoas se interessassem mais pelo processo político.

Pelo contrário, percebe-se cada vez mais risco de um viés totalitário no próprio sistema democrático, uma espécie de tirania da maioria.

“Hoje há uma excessiva judicialização da vida, com o crescimento do aparelho jurídico. Uma tendência de a democracia se transformar numa regime judicial -com o propósito de construir uma sociedade melhor a partir do aparelho jurídico”, disse Pondé.

Um outro indício desse mal-estar se daria nos julgamentos sumários e linchamentos morais praticados nas redes sociais.

Sociedade e comunidade

O cientista político e professor do Insper Fernando Schüler iniciou sua fala com um rápido histórico do tema em discussão.

A democracia, contou, surgiu como solução de compromisso para uma sociedade fraturada, a partir de regras básicas iguais para todos.

“Essa sociedade fraturada se formatou ao longo de 500 anos de uma modelagem muito delicada e sensível para proteger a liberdade de cada um, para garantir que cada um possa pensar de forma diferente e possa conviver numa mesma sociedade. Numa grande sociedade, só é possível viver por esse conjunto de regras que chamamos de democracia liberal.”

Segundo Schüler, uma mudança ocorreu com o advento da internet, quando o mundo tornou-se uma aldeia global hiperconectada. A grande sociedade, assim, cedeu espaço ao modelo de grande comunidade.

“A partir daí, o saudável fracionamento da sociedade se quebra. Nós, que vivíamos tranquilamente separados, deixando cada um viver com sua própria loucura e imbecilidade, passamos a viver todos juntos. Passamos a exigir dos outros mais do que um acordo político básico de convivência -passamos a exigir um regramento das ideias éticas, estéticas e morais.”

Schüler argumenta que grupos aparentemente opostos, como conservadores e defensores de medidas identitárias, caem no mesmo vício: levar o debate público para o campo da ética, onde geralmente não é possível um acordo.

“Como a turma do Olavo de Carvalho vai conversar com a turma de Judith Butler?”, questionou, referindo-se, aos grupos mais identificados ao pensamento conservador (caso do brasileiro Olavo de Carvalho) ou progressista (caso da americana Judith Butler). “Na grande sociedade isso não precisa acontecer. Basta a distância e um respeito mútuo.”

“O resultado é esse clima de guerra, de ódio entre nós”, completou. “Substituímos o debate sobre os temas que devemos discutir pelo debate em que não há consenso.”

Diante desse impasse, ambos reconhecem que não há solução evidente.

Pondé avalia que o quadro atual destrói uma ilusão, propagada após o fim da Guerra Fria, de que a democracia liberal estava bem instalada, livre de instabilidade e ameaças totalitárias.

“Minha utopia de grande sociedade”, comentou Schüler, “seria esta: nós não precisamos conversar, conviver com todos com os quais não compartilhamos minimamente concepções estéticas sobre a vida. É maluquice a ideia de que vamos nos interdisciplinar.”

Citou como exemplo o caso do jornalista William Waack, alvo de críticas nas redes sociais depois da divulgação de um vídeo na internet em que ele afirma, irritado, que o barulho de uma buzina é “coisa de preto”.

“Nós nos tornamos uma sociedade de virtuosos. Ninguém nuca disse uma frase de mau gosto”, avaliou Schüler.

“Ao botar o debate no plano ético, não há mais debate. Vem o autoritarismo”, completou.

Pondé compartilha o mesmo receio do colega.

“A minha utopia é que, do ponto de vista institucional, as posições de centro possam prevalecer -posições antiutópicas, livres da metafísica.”

 


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