A Polícia Federal deflagrou na manhã desta sexta-feira (9) a 49ª fase da Operação Lava Jato, denominada “Buona Fortuna”. A etapa mirou políticos e agentes sob suspeita de terem obtido vantagem indevida de consórcio de empreiteiras interessadas nos contratos de construção da usina de Belo Monte, no Pará. O ex-ministro Antônio Delfim Netto, 89, e seu sobrinho Luiz Appolonio Neto, foram alvos da operação.
Segundo o Ministério Público Federal, o governo federal agiu para direcionar a licitação para o consórcio Norte Energia, que reuniu dez empresas que não teriam capacidade para construir Belo Monte. O caso foi noticiado em reportagens da Folha.
O ex-ministro, de acordo com as investigações, ajudou a estruturar o consórcio em conjunto com o pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula. Por enquanto, os procuradores não encontraram indícios de pagamento de vantagens indevidas ao empresário.
Segundo os investigadores, a Norte Energia direcionou o contrato de construção da usina a outro consórcio, composto por empresas que deveriam pagar propina em benefício de partidos políticos e seus representantes. O PT e o MDB ficariam com 1% do valor do contrato, de R$ 14,5 bilhões. Assim, cada partido receberia cerca de R$ 70 milhões.
Por sua atuação no esquema, teria sido destinado a Delfim Netto 10% dos valores direcionados aos partidos, em um total de R$ 15 milhões. O pagamento teria sido realizado por meio de contratos fictícios de consultoria firmados com empresas Aspen Consultoria e LS Consultoria, que estão em seu nome e de seu sobrinho.
De acordo com o procurador Athayde Ribeiro Costa, o ex-ministro Antônio Palocci, que busca acordo de colaboração premiada, foi o porta-voz do governo federal na solicitação do pagamento de propina aos partidos políticos e a Delfim Netto. Os investigados podem responder pelos crimes de fraude à licitação, corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa.
O Ministério Público afirma que, até o momento, já foram rastreados pagamentos ao ex-ministro em valores superiores a R$ 4 milhões, de um total estimado em R$ 15 milhões, entre 2012 e 2015. Os valores foram repassados pelas empresas Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Odebrecht, OAS e J. Malucelli, todas integrantes do consórcio de Belo Monte, em favor de pessoas jurídicas relacionadas a Delfim Netto, por meio dos contratos fictícios de consultoria.
O juiz Sergio Moro determinou o bloqueio de cerca de R$ 4,4 milhões de Delfim Netto, de seu sobrinho e das empresas administradas por eles. O montante corresponde aos pagamentos identificados em favor dos dois, realizados pelas empreiteiras do consórcio.
No caso da Odebrecht, os pagamentos foram registrados no sistema de controle de propinas da empresa, com o codinome “Professor”, e as apurações demonstraram que realmente não foi prestado nenhum serviço pelo ex-ministro às empreiteiras que efetuaram os pagamentos.
Em abril de 2016, o alto executivo da Andrade Gutierrez Flávio Barra disse em acordo de delação premiada que a empreiteira pagou propina de R$ 15 milhões ao ex-ministro na fase final das negociações para a construção da usina.
Segundo Barra, o pagamento teria chegado a Delfim por meio de contratos fictícios de empresas de um sobrinho dele, com a Andrade Gutierrez. Barra, que presidiu a AG Energia -braço da Andrade para esse mercado- afirmou que os pagamentos foram uma gratificação por Delfim ter ajudado a montar consórcios que disputaram a obra.
As apurações relativas ao pagamento de vantagens indevidas ao MDB no contexto de Belo Monte ocorrem em inquérito que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal), sob investigação da PGR (Procuradoria-Geral da República).
De acordo com o Ministério Público, há indícios de que a maioria da propina destinada ao PT e ao MDB foi transferida por meio de doações eleitorais oficiais.
À época, a defesa de Delfim negou que o ex-ministro tivesse forjado contratos fictícios, tendo prestado consultoria para as empresas, de forma lícita. Em depoimento para o inquérito do STF, Delfim corroborou esta versão, confirmando que participou da estruturação do consórcio.
O esquema foi revelado, segundo a Procuradoria, por acordos de leniência firmados pelo Ministério Público Federal com as empresas Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa, assim como acordos de colaboração premiada da Odebrecht homologados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) em razão do envolvimento de pessoas com prerrogativa de foro.
Os investigadores também realizaram quebras de sigilos bancário, fiscal, telemático e de registros telefônicos, que segundo a procuradoria revelaram a existência de estreitos vínculos entre os investigados e confirmaram as informações dos colaboradores.
Na manhã desta sexta (9), a PF cumpriu dez mandados de busca e apreensão em Curitiba e nas cidades de São Paulo, Guarujá e Jundiaí, expedidos pela 13ª Vara Federal no Paraná. Na capital paulista, os agentes estiveram na casa e no escritório de Delfim Netto. O Ministério Público não reuniu elementos suficientes para pedidos de prisão temporária ou preventiva.
Outro lado
Em nota, os advogados de Delfim Netto, Ricardo Tosto e Jorge Nemr, afirmaram que os valores recebidos são referentes a honorários de consultoria prestara ao ex-ministro.
“O professor Delfim Netto não ocupa cargo público desde 2006 e não cometeu nenhum ato ilícito em qualquer tempo. Os valores que recebeu foram honorários por consultoria prestada.”
Também em nota, o advogado Fernando Araneo, que defende Luiz Appolonio Neto, afirmou que o cliente “refuta veementemente as acusações e esclarece que sua vida profissional sempre foi pautada pela legalidade”.
O MDB e O PT se defenderam em nota.
“O MDB não recebeu proprina nem recursos desviados no Consórcio Norte Energia. Lamenta que uma pessoa da importância do ex-deputado Delfim Neto esteja indevidamente citado no processo. Assim, como em outras investigações, o MDB acredita que a verdade aparecerá no final”, diz o texto da sigla.
O PT afirma que que as acusações não têm fundamento e visam atacar o partido em razão da proximidade das eleições. “As acusações dos procuradores da Lava Jato ao PT, na investigação sobre a usina de Belo Monte, não têm o menor fundamento. Na medida em que se aproximam as eleições, eles tentam criminalizar o partido, usando a palavra de delatores que buscam benefícios penais e financeiros”, afirma o texto.
Biografia
Antonio Delfim Netto, 89, economista formado pela USP em 1951, participou dos governos dos generais Castello Branco (1964-1967), no Conselho Consultivo de Planejamento (Consplan); Costa e Silva (1967-1969) e Medici (1969-1973), como ministro da Fazenda; e Figueiredo (1979-1984), como ministro da Agricultura e secretário do Planejamento, controlando, a partir da primeira metade de 1979, o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central.
Atualmente, é colunista da Folha.
No governo entre 1967-1973, com a expansão do comércio e a intensificação dos fluxos financeiros mundiais, adotou política de aumentar o gasto público e incentivar as empresas privadas e multinacionais a investirem na indústria – foram US$ 2872 milhões em investimento estrangeiro direto no período – e na infra-estrutura do país, reduzindo juros e ampliando crédito.
O resultado, considerando o período de 1968 a 1973, foi crescimento do PIB (11,1%), queda da inflação (19,2%) e aumento do poder aquisitivo do empresariado e da classe média para consumir bens duráveis, em especial eletrodomésticos e automóveis.
O período da sua gestão foi chamado “milagre econômico”, pela expansão dos negócios financeiros, construção de obras faraônicas (“projetos de impacto”), alguns de utilidade controversa, como a todovia Transamazônica, a ponte Rio-Niterói, a empresa binacional de Itaipu e a Ferrovia do Aço – abandonada -, e pela propaganda ufanista do governo, com o uso da conquista do tri da Copa do Mundo de 1970 como mote para slogans como “ninguém mais segura este país”.
O governo contraía empréstimos de bancos privados estrangeiros para contornar os déficits da balança de pagamentos, causados pelo valor das exportações de manufaturados ser menor que o da importação de bens de capital, o que praticamente triplicou a dívida externa brasileira de 1967 a 1972, quando ficou em US$ 9,521 milhões. Delfim afirmava querer “fazer o bolo crescer, para depois dividi-lo”, mas os benefícios econômicos não atingiram pessoas de baixa renda, que tiveram seus salários reduzidos e sua participação na renda nacional decrescida de mais de 1/6 em 1960 para menos de 1/7 em 1970.
Em 1986, foi eleito deputado pelo PDS com mais de 76 mil votos e participou da Assembleia Nacional Constituinte (ANC). Foi reeleito deputado federal em 1990 e em 1994 pelo PPR.
Entenda o esquema investigado na Lava Jato:
A LICITAÇÃO
- Em abr.2010, a Aneel (agência de energia) confirmou o consórcio Norte Energia como vencedor da disputa pela hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Na época, o grupo propôs vender a energia gerada a R$ 78 por MWh (megawatt hora)
COMPOSIÇÃO DO CONSÓRCIO VENCEDOR
Oito empreiteiras venceram a licitação
- Queiroz Galvão
- Galvão Engenharia
- Mendes Junior
- Serving-Civilisan
- Cetenco Engenharia
- J. Malucelli
- Gaia Energia e Participações (atualmente, não participa mais do grupo)
O QUE DIZ A INVESTIGAÇÃO
- Foi o economista Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda, que ajudou a criar o consórcio, com a função de forçar as grandes empreiteiras a reduzir o valor que cobrariam pela obra
- O arranjo teve a participação do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula investigado na Lava Jato
O PROBLEMA
- As empresas que venceram o leilão eram pequenas e não tinham experiência numa obra da complexidade de Belo Monte nem garantias bancárias necessárias
- Em ago.2010, o governo federal fechou acordo para incluir outras três empreiteiras na construção
NOVA COMPOSIÇÃO DO CONSÓRCIO
Três empreiteiras novas:
- Andrade Gutierrez
- Odebrecht
- Camargo Corrêa
Oito anteriores:
- Queiroz Galvão
- Galvão Engenharia
- Mendes Junior
- Serving-Civilisan
- Cetenco Engenharia
- J. Malucelli
- Gaia Energia e Participações
O QUE DIZ A INVESTIGAÇÃO
- Delfim também atuou na formação do segundo consórcio, acomodando os interesses das 11 empreiteiras finais. Para isso, ele recebeu propina de R$ 15 milhões, por meio de contratos da Andrade Gutierrez com a empresa de um sobrinho do economista
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