22 de dezembro de 2024
Brasil • atualizado em 13/02/2020 às 01:01

Delator diz que propina ao TCE do Rio foi discutida em jantar com Pezão

O ex-presidente do Tribunal de Contas do Rio Jonas Lopes disse em acordo de delação premiada firmado com o Ministério Público Federal que a distribuição de propinas ao órgão, que cobrava percentual para não se opor a irregularidades em obras no Estado, foi discutida em jantar na casa do atual governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB).

O jantar teria ocorrido em 2013, quando Pezão ocupava o posto de vice-governador e também secretário de Obras de Sérgio Cabral.

Segundo consta no termo de delação, ao qual a reportagem teve acesso, o esquema que vigorou no Tribunal de Contas do Rio nunca teve Pezão como beneficiário direto de recursos ilícitos, mas ele estaria ciente do que ocorria em pelo menos duas ramificações do esquema.

O primeiro seria da cobrança de percentual de 1% de propina sobre o valor de obras no Estado acima de R$ 5 milhões, entre elas a reforma do Maracanã, o Arco Metropolitano e o PAC das Favelas, projetos nos quais houve, inclusive, o emprego de recursos federais.

De acordo com Lopes, o jantar ocorreu no início de 2013. Foi convocado após desentendimentos sobre o pagamento de propinas em contratos da secretaria de Obras.

A irregularidade nos pagamentos, que deveriam ser feitos em quatro parcelas a cada 30 dias após a primeira fatura da empresa, começou a gerar cobrança “insuportável” dos outros conselheiros, afirmou o delator.

Os desentendimentos se acirraram quando começaram a circular boatos de que Hudson Braga, à época na secretaria de obras e apontado como operador do esquema, cobrava 2% em nome dos conselheiros do TCE.

Braga também teria deixado de repassar valores de certos contratos, alegando que as empresas responsáveis pelas obras eram “estrangeiras”, ou seja, não participavam do esquema.

O jantar teria sido marcado para aparar as arestas. Braga diz ter convidado o atual presidente do TCE, Aloysio Neves, preso na última quarta (29) pela Operação Quinto do Ouro.

Além de Pezão e Braga, estavam presentes o ex-secretário de governo de Sérgio Cabral, Wilson Carlos, também preso. A esposa de Pezão, Maria Lúcia, teria aparecido para cumprimentar os convidados mas não participou do jantar.

O delator diz se recordar que a comida foi servida por um restaurante e que havia um garçom uniformizado. Pezão teria servido vinho português Barca Velha.

Segundo a delação, “iniciou-se uma discussão bem áspera entre o colaborador e Hudson Braga, que o colaborador chegou a apontar o dedo para Hudson, acusando-o de estar cobrando vantagens indevidas em nome do TCERJ e não estar repassando ao órgão de controle”.

Neste momento, disse Lopes, Pezão e Wilson Carlos intervieram e este último se comprometeu a começar a acompanhar, ele próprio, as entregas.

“Pezão acompanhou toda a reunião e dela participou ativamente, inclusive intervindo para acalmar as discussões iniciais”, diz o texto da delação.

Cinco dos seis conselheiros do TCE na ativa foram presos preventivamente no âmbito da operação “Quinto do Ouro”, deflagrada na última quarta-feira (29). O ex-presidente do TCE e delator Jonas Lopes está fora do país com autorização da Justiça.

De acordo com a PGR, as investigações chegaram a um montante de R$ 1,2 milhão que teria sido desviado pelo grupo do tribunal.

Os conselheiros são: Aloysio Neves, atual presidente do TCE, que cumpre prisão domiciliar por problemas de saúde; Domingos Brasão, José Gomes Graciosa, Marco Antônio Alencar eJosé Nolasco. Um ex-conselheiro, Aluísio Gama, também foi preso.

Uma única conselheira, Mariana Montebello Willeman, não estaria envolvida no esquema, segundo o delator.

QUENTINHAS

Pezão é citado como pessoa ciente do esquema uma segunda vez, em 2016, quando já ocupava o cargo de governador do Rio.

O caso relatado foi o do desvio de recursos para o pagamento de quentinhas aos presídios do Estado.

Na ocasião, Estado e TCE firmaram convênio para a utilização de fundo de reserva do tribunal para pagar fornecedores de alimentação dentro dos presídios que estavam com pagamento atrasado.

Segundo Jonas Lopes, Pezão teria dado a sua “aquiescência” para que parte do dinheiro desviado fosse recolhido e distribuído pelo seu subsecretário de Comunicação Social e marido de sua sobrinha, Marcelo Santos Amorim, conhecido como Marcelinho, que teria ficado com 1% dos valores que passaram pela sua mão.

Também nesse caso, o governador não é citado como beneficiário dos recursos, mas ressalta que ele era conhecedor do que ocorria.

Em grave crise fiscal, o governo recorreu em 2016 ao TCE para utilizar um fundo de reserva do tribunal, composto por sobras orçamentárias, que somava na ocasião R$ 160 milhões em caixa.

O TCE teria concordado em pagar a fatura, mas cobrou percentual de 15% a ser distribuído aos seus cinco conselheiros.

Para usar o dinheiro, seria preciso aprovar uma lei na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio), algo que, segundo o delator, teve a ajuda do presidente da casa, Jorge Picciani (PMDB), que teria inclusive apontado dois donos de empresas de alimentação que poderiam organizar a distribuição de dinheiro. Picciani nega as acusações.

O delator diz que o representante do governo responsável por organizar os repasses ilegais seria o secretário de Governo de Pezão, Henrique Affonso Monnerat.

Monnerat teve seu escritório no Palácio Guanabara, sede do governo do Rio, alvo de busca e apreensão na última quarta.

Teria sido ele quem teria indicado que 1% dos valores seria repassado ao subsecretário Marcelo Santos Amorim, marido da sobrinha de Pezão.

Inicialmente, o governador teria proibido Marcelinho de participar do esquema, mas depois teria dado sua benção, segundo o termo de delação.

“Que Monnerat, então, teria conversado com o governador Pezão que teria dado a aquiescência do governador na participação de Marcelinho no esquema. Que, em seguida o colaborador informou a Marcelinho que poderia dar seguimento às tratativas dos pagamentos. Que soube que Marcelinho, ao passar a atuar no recolhimento dos valores oriundos do acerto em nome do TCE, acabou se creditando da quantia correspondente a 1% das faturas que já haviam sido pagos pelo fundo do TCE”, afirma o delator em depoimento ao MPF.

Jonas Lopes diz ainda que, quando soube da ocorrência dos desvios, ainda em 2016, o ex-governador Sérgio Cabral o chamou para reunião em seu escritório no Leblon e indicou uma terceira pessoa para também receber repasses.

OUTRO LADO

Procurado, o governador do Rio disse por meio de nota que “desconhece o teor das investigações e não vai comentar trechos selecionados de supostas delações vazadas para a imprensa”.

Em discurso na tribuna da Alerj, na última quinta-feira (30), Picciani negou envolvimento no esquema.

A reportagem não localizou as defesas dos cinco conselheiros do TCE presos.

Também não conseguiu contato com a assessoria dos secretários Marcelo Santos Amorin e Henrique Affonso Monnerat.

(FOLHA PRESS)

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