22 de dezembro de 2024
Brasil • atualizado em 13/02/2020 às 01:16

CPI da Funai pede indiciamento de indígenas e antropólogos

Indígenas protestam pacificamente em frente à Câmara dos Deputados. (Foto: Renato Costa/FramePhoto/Folhapress)
Indígenas protestam pacificamente em frente à Câmara dos Deputados. (Foto: Renato Costa/FramePhoto/Folhapress)

Parlamentares da bancada ruralista aprovaram nesta quarta-feira (17) o relatório final da CPI Funai-Incra, que pede o indiciamento de cerca de cem pessoas ligadas à causa indígena no país.

Entre os que tiveram nome citado em pedidos de indiciamento estão ao menos 30 índios, nove antropólogos, 14 integrantes da igreja Católica e 16 procuradores federais. Foi solicitado ainda o indiciamento de quatro servidores da Funai e outros nove do Incra. O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo também é um dos citados.

O pedido tem efeito mais político do que prático. A decisão de investigar e porventura apresentar denúncia contra os nomes do relatório caberá ao Ministério Público.

A CPI foi criada em novembro passado e é dominada pela bancada ruralista na Câmara, setor historicamente em conflito com comunidades indígenas no país. O relator da CPI, deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), é o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária.

A comissão se propôs a investigar fraudes nos processos de demarcação de terras e na aplicação de recursos destinados às tribos. Também apurou assentamentos e comunidades quilombolas.

Não há no relatório, no entanto, sugestões de indiciamento de nenhum produtor rural ou pessoa envolvida em conflitos com indígenas no campo.

A oposição formada por parlamentares do PT, PCdoB e PPS tentou protelar a votação o quanto pode, já que a maioria dos integrantes se mostrou francamente favorável à aprovação do relatório final. Deputados do PSOL e da Rede, embora sem assento na CPI, reforçaram o grupo minoritário de oposição.

Às 15h, deputados da base aliada, favoráveis a aprovação do relatório, já estavam impacientes com as manobras de obstrução da oposição.

O deputado Edmilson Rodrigues (PSOL-PA) quase entrou em um embate físico quando o presidente da CPI, o deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), não lhe permitiu apresentar uma questão de ordem quando chegava perto da hora de votar o relatório.

Aos gritos, ele se aproximou da mesa da presidência dizendo que Moreira não tinha o direito de lhe “cassar a palavra”. “Não coloque a mão aqui”, bradou Moreira.

Um grupo de cerca de 20 indígenas protestou na porta da Câmara dos Deputados. Assim como na sessão do dia anterior, eles não foram permitidos participar das discussões no último dia da CPI.

Somente um índio assistia calado aos debates. “Essa CPI só tem um interesse, que é acabar com as demarcações de terra no país e a extinção da Funai”, disse o indígena Alberto Terena, do Mato Grosso do Sul. “Enquanto eles discutem, nossa gente morre na mão de pistoleiros no campo.”

Deputados de oposição e da situação trocaram acusações. A oposição dizia que os ruralistas faziam uma caça às bruxas com todos identificados com a causa indígena, inclusive ONG’s.

Já a situação afirma que a Funai e as entidades falharam ao cuidar do índio, que hoje viveria em condições de miséria.

O deputado João Rodrigues (PSD-SC) aproveitou as discussões para atacar o PT e o ex-presidente Lula.

O relatório final pede o indiciamento do antropólogo Carlos Antônio Dal-Prá, morto em 2008. A questão foi muito criticada pela oposição, o que motivou o ataque do parlamentar.

“Eu concordo que quem não está mais aqui não tem direito a defesa, como foi o caso de dona Marisa Letícia, quando foi acusada por Lula no caso do triplex”, disse. A fala causou forte reação da oposição, que repudiou aos gritos de “baixaria”.

Antropólogos

Também falando de pessoas que já morreram, o deputado Edmilson Rodrigues criticou o relator Nilson Leitão, por ser ele do mesmo partido do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, cuja mulher, Ruth Cardoso, foi fundadora da ABA (Associação Brasileira de Antropólogos), que tem diversos integrantes com sugestão de indiciamento.

“Fico pensando como a senhora Ruth Cardoso se revira no túmulo de vergonha desse relatório”, disse Rodrigues.

Em sua fala final, o relator pediu a retirada do nome do antropólogo morto do relatório, mas antes se defendeu. “Não adianta me afrontarem com essa ideia. Entidade não comete crime. O que não podemos continuar aceitando é o ativismo em órgãos públicos”, disse.

Outro nome que foi retirado do relatório final foi do arcebispo de Rondônia, dom Roque Paloschi. Ele acusa ONGs de sequestrarem o discurso indígena, definindo as prioridades do debate sem o consentimento das comunidades.

A presidente da ABA, Lia Zanotta, criticou a presença de antropólogos no texto do relatório. Uma das associadas, disse ela, foi citada somente porque em sua tese havia um agradecimento ao povo indígena, o que foi considerado pela comissão como conluio ou interesse comum dos antropólogos que prestam serviço para a Funai.

O deputado João Rodrigues (PSD-SC) afirmou que a Funai utiliza os índios como massa de manobra. “Na minha região, o índio quer trabalhar, quer ter carro, roupa, mas a Funai quer dar o mínimo a esses pobres coitados”, disse.

A fala foi criticada pelo único índio na sala. “Dizem que nossas comunidades são zoológicos humanos. Nós temos nossos costumes, nosso modo de vida, e gostaríamos de ser respeitados”, afirmou. (Folhapress)

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