O ex-ministro da Defesa e general de Exército da reserva, Fernando Azevedo e Silva, desistiu de assumir o cargo de diretor-geral do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O movimento desvela o desconforto corrente na caserna com ataques ao sistema de votação pelo presidente Jair Bolsonaro. Ao Estadão, o general afirmou: “As urnas eletrônicas funcionam há 26 anos, nunca tiveram problema e foram aprovadas pelo Congresso. O Congresso aprova, a Justiça Eleitoral cumpre”.
O general estava incomodado e reclamou a pessoas próximas que Bolsonaro, de quem foi ministro, tinha voltado a manipular os militares e a atacar, sem provas, o sistema. Na prática, Bolsonaro lançava as Forças Armadas em narrativas para desacreditar as urnas, contrariando esforços da Justiça. Azevedo percebeu que ficaria no meio.
Com trânsito nos três Poderes, o general preferiu, no entanto, justificar a decisão por motivos de saúde e familiares. “Infelizmente, tive de sair por problemas estritamente pessoais”, disse o ex-ministro da Defesa à reportagem.
Azevedo descobriu um problema cardíaco que requer tratamento imediato. Amigos e familiares, contrários ao cargo no TSE, o pressionaram a desistir por causa do alto estresse previsto para a função, no caldeirão político que se formou. Essa versão também foi compartilhada pelo ex-ministro com militares da reserva e da ativa, inclusive no “Forte Apache”, o Quartel-General do Exército, em Brasília.
Antes, o general estava entusiasmado. Ele ficara impressionado com o profissionalismo e a qualificação do corpo técnico da Corte e vinha estudando a estrutura do tribunal. Azevedo e sua equipe passaram uma semana na sede do TSE, em janeiro. Após o diagnóstico médico, porém, há cerca de três semanas, ele sofreu forte pressão dos filhos para declinar do convite, do qual se disse “honrado”.
Azevedo comunicou a decisão nesta terça-feira, 15, em reunião de cerca de três horas com os ministros no TSE. A posse estava prevista para ocorrer na próxima terça-feira, 22, dia em que o ministro Edson Fachin assumirá a presidência da Corte. Fachin disse ao Estadão que as Forças Armadas não vão se atrelar a “interesses conjunturais”, caso Bolsonaro seja derrotado. O atual diretor-geral, Rui Moreira de Oliveira, será mantido no cargo.
Azevedo era visto como anteparo simbólico a insinuações de fraude nas eleições de 2022. O general, segundo pessoas próximas, tinha consciência da pressão que sofreria e da responsabilidade do cargo, sentindo-se encarregado de legitimar o poder que vai ser entregue ao próximo presidente eleito. Compartilhava também do “constrangimento” de segmentos da caserna incomodados com o uso político das Forças Armadas pelo presidente da República.
Além da Diretoria-Geral do TSE, os militares foram convidados a integrar, de forma inédita, a Comissão de Transparência Eleitoral, criada diante da crescente onda de desinformação e de tentativas de desacreditar as urnas eletrônicas – elas partem principalmente de governistas.
Armadilha
As Forças Armadas não se negam a participar institucionalmente, mas, nos bastidores, oficiais da ativa anteveem uma armadilha. Eles se dizem no meio da disputa que opõe a Justiça Eleitoral e Bolsonaro, hoje comandante supremo das Forças Armadas. Para eles, o cargo agora dispensado por Azevedo e a participação do general Heber Portella, do Centro de Defesa Cibernética, na comissão de transparência, abrem flancos para manobras políticas com os militares por parte de Bolsonaro. Também podem ocasionar novos desgastes, como os já acumulados pelo engajamento dos generais da reserva e da ativa no alto escalão do governo.
As desconfianças sobre as urnas, bandeira do presidente e sua base, são compartilhadas por parte do oficialato da reserva e até por generais que compõem o governo. O Estadão revelou no ano passado que o ministro da Defesa, general Braga Netto, havia ameaçado a realização das eleições sem voto impresso aprovado, o que ele negou. A proposta governista foi derrotada no Congresso. Bolsonaro é investigado por divulgar informações sigilosas de uma investigação sobre tentativa de invasão hacker aos sistemas do TSE.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo. (Por Eliane Cantanhêde e Felipe Frazão; colaborou Weslley Galzo/Estadão Conteúdo)