23 de dezembro de 2024
Brasil • atualizado em 13/02/2020 às 01:36

Consumo e produção de orgânicos têm que ganhar escala, aponta debate

Produzir e consumir alimentos orgânicos é um movimento que precisa estar ancorado em sistema produtivos e de distribuição sustentáveis do ponto de vista econômico, social e ambiental.

É uma das conclusões do debate desta terça-feira (27) entre empreendedores, ativistas e especialistas no “Diálogos Transformadores Nova Agricultura: Uma Produção Mais Sustentável de Alimentos e Fibras”, realizado pela Folha de S.Paulo, em parceria com a Ashoka e com apoio do Instituto C&A.

Em sua sexta edição, a plataforma multimídia contou com Pedro Paulo Diniz, fundador da Fazenda da Toca, referência em produção orgânica e agroecológica; o chef Alex Atala, Instituto Atá, fundado por ele com o propósito de fortalecer a cadeia do alimento brasileiro; e Silvio Moraes, pesquisador de algodão orgânico e embaixador da ONG Textile Exchange na América Latina.

Diniz iniciou o debate relatando a sua experiência em produzir orgânicos em larga escala em uma fazenda que trocou o sistema tradicional de produção por modelos agroflorestais. “Foi um grande aprendizado, não apenas por olhar como a produção de orgânicos deve ser, mas também por olhar como o mercado convencional opera.”

Segundo ele, foram surpreendentes e positivos os resultados de reproduzir sistemas naturais no plantio de milho, frutas e na produção de ovos. “Neste ano, plantamos 350 hectares de milho e colhemos 9.8 toneladas por hectare, uma produtividade que é igual ao plantio convencional”, comparou.

Na sequência, Atala falou sobre as iniciativas do Instituto Atá, entre elas o trabalho de valorização da cultura alimentar dos povos indígenas, como os baniwa e ianomâmis.

Para o chef, é importante também o homem da cidade se reconectar com os saberes e os sabores da natureza. “Neste momento em que a gente vive, é preciso poder aproximar o saber do comer, o comer do cozinhar, o cozinhar do produzir e o produzir da natureza. O ato de cozinhar e comer influencia hoje diretamente no ambiente.”

Atala destacou que por meio da comida as pessoas podem “experimentar a biodiversidade”.

O papel do consumidor também foi salientado por Moraes, ao se referir a uma cadeia sustentável na indústria têxtil, por exemplo.

Outro ponto importante é a importância do pequeno produtor e da agricultura familiar. “O algodão orgânico é cultivado essencialmente por pequenos agricultores. É preciso ter maior número de produtores”, afirmou.

De acordo com o agrônomo, apesar de atualmente o mercado de vestuário de fibras orgânicas movimentar em todo o mundo cerca de US$ 15 bilhões, há uma potencialidade imensa de crescimento desse cenário, inclusive no Brasil.

ORGÂNICO E SUSTENTÁVEL

Na segunda parte dos “Diálogos”, os protagonistas interagiram com outros três debatedores.

Laércio Meirelles, engenheiro agrônomo e coordenador da Centro Ecológico -ONG criada com o objetivo de viabilizar a adoção de tecnologias alternativas na produção agrícola- destacou o papel da agricultura orgânica como uma oposição ao uso desenfreado de agrotóxicos e reforçou que a base científica natural que ela possui não deve ser alterada pela lógica de mercado.

“Infelizmente, a ciência agronômica nas últimas décadas confunde interesse de mercado com ciência. O que deveria ser formação de conhecimento científico, as vezes é pautado pelo interesse de grandes empresas”, disse.

Rogério Pereira Dias, coordenador de agroecologia do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, falou sobre o papel do governo no fomento à agricultura orgânica e como ela se insere diante do agronegócio.

Dias citou decisões anteriores que propiciaram marcos legais que permitiram programas como o Programa de Desenvolvimento da Agricultura Orgânica -instrução normativa que disciplina a produção, tipificação, processamento, envase, distribuição, identificação e certificação de produtos orgânicos de origem vegetal e animal no Brasil.

Representante dos produtores de algodão, Arlindo de Azevedo Moura, presidente da Abrapa (Associação Brasileira de Produtores de Algodão) destacou que, no Brasil, 71% dos produtores são certificados pelo BCI (sistema Better Cotton Initiative -Iniciativa por um Algodão Melhor) e correspondem a 30% do algodão certificado do mundo.

O presidente da Abrapa relativizou o dado bruto de que o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos. Moura argumentou que apesar de o país gastar cerca de US$ 9 bilhões anualmente com agrotóxicos – o gasto mundial é de US$51 bilhões- é preciso relativizar esse número diante da quantidade de alimento produzido.”

“Essa comparação não é justa porque produzimos muito mais quilos de alimentos […] O Brasil usa 4,2 quilos de ingrediente ativo por hectare, enquanto a Holanda usa 20 quilos de produto ativo por hectare […] para cada dólar gasto com agrotóxicos, o Brasil produz 142 quilos de alimento” disse.

Para Moura, não é possível suprir a demanda do mercado apenas com orgânicos. “Não vejo como produzir dois milhões de toneladas de alimentos no mundo só com produção orgânica”.

Posição que foi contestada por Diniz e Atala. “Nesse anos todos que eu estou como agricultor, acredito piamente que é possível alimentar o mundo com orgânicos”, disse Diniz, que citou o exemplo da plantação de cana da família Balbo em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, em que a produção orgânica é 40% maior que a convencional.

CASOS INSPIRADORES

Andrea Sousa Lima, coordenadora de projetos da Esplar, que atua na agroecologia e agricultura familiar, trouxe à sexta edição dos “Diálogos” a sua experiência com as mulheres que vivem no semiárido brasileiro.

Segundo ela, é fundamental o papel feminino nos agrosistemas na região, desde o gerenciamento sustentável dos estoques de sementes, água e alimentos, até na produção de algodão e alimentos. “Essas sementes que são estocadas têm uma identidade com o local, então toda essa estratégia da cultura do estoque está relacionada diretamente com o trabalho produtivo da mulher”.

Um outro caso inspirador foi o relato de Claudio Spínola, fundador da Morada da Floresta, que virou referência na compostagem doméstica no Brasil.

O finalista do Prêmio Empreendedor Social 2016, ele falou sobre os resultados animadores do projeto “Composta São Paulo”, em 2014, desenvolvido com a Prefeitura de São Paulo, com a distribuição de 2.000 composteiras para famílias cadastradas.

Mesmo com a descontinuação do projeto pela administração João Doria, Spínola considera que o resultado foi positivo. As composteiras da Morada da Florestas já estão em mais de 10 mil lares paulistanos, o que representa cerca de 20 toneladas de resíduos orgânicos que deixam de ser jogados em aterros sanitários por dia.

PRÓXIMO DIÁLOGO

O “Diálogos Transformadores” terá ainda mais uma edição este ano, para debater trabalho e imigração, também com apoio do Instituto C&A, no segundo semestre.

Giuliana Ortega, diretora executiva do Instituto C&A, ressaltou a importante de debater temas como agricultura sustentável. “Um dos princípios do nosso trabalho é a colaboração com outras organizações sociais, outras marcas e pessoas que estejam dispostas a mudar a moda conosco. Por isso, para nós é importante esse espaço de debate e de olhar coletivo sobre esse tema”, disse.

O debate e discussão de ideias como forma de incentivar novas iniciativas também foi comentado por Stephanie Ambar, coordenadora de changemakers da Ashoka, “Temos uma visão que todos podem ser agentes de transformação. Por isso esse evento é tão relevante para que repensemos nossa atuação no campo da agricultura.”

Ainda na abertura, Eliane Trindade, editora do Prêmio Empreendedor Social e mediadora do encontro, falou da importância de se discutir um assunto que diz respeito à sobrevivência das pessoas e do planeta, além de ser uma força econômica.

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