A 8ª edição do Fórum Mundial da Água, que termina nesta sexta-feira (23) em Brasília, foi a chance para que diferentes companhias do saneamento no país aumentassem a pressão sobre o governo federal e Congresso acerca da proposta de um novo marco regulatório para o setor.
Houve quem usasse adesivo de repúdio ao texto pelos corredores do evento. E quem dissesse que iria recorrer ao Congresso para acelerar sua aprovação. O tema também foi abordado em sessões.
A discussão proposta pelo Ministério das Cidades no fim do ano passado pretende mudar as regras para a organização do setor no país e permitir maior participação de empresas privadas no saneamento brasileiro, sob a justificativa de estimular a superação dos ainda baixos índices de atendimento de água e esgoto.
Para se ter uma ideia, o Brasil ainda trata apenas 45% de seu esgoto gerado. Redes de esgoto chegam a apenas 60% da população.
Inicialmente proposto como uma medida provisória, o texto causou a mobilização das companhias estaduais de saneamento, que temem perder espaço. As empresas questionaram que a mudança seja feita por meio de uma medida provisória, que tem efeito imediato e só depois é avaliada pelo Congresso.
Embora não tenha citado um prazo, a intenção de alterar as regras para o saneamento no país foi confirmada pelo presidente Michel Temer na abertura do fórum. “Estamos ultimando um projeto de lei com vistas a modernizar um marco regulatório do saneamento e incentivar novos investimentos, o que nos move à busca da universalização desse serviço básico”, afirmou.
Mudanças
Atualmente, um município brasileiro pode gerir o serviço de saneamento por três caminhos: 1) abrir uma autarquia própria, 2) firmar um convênio com a empresa de saneamento estatal ou 3) abrir concorrência para contratar uma companhia privada.
Porém, um dos artigos das novas regras que ainda está em estudo pelo governo federal diz que o município terá que fazer um chamamento público sempre que quiser contratar uma companhia de saneamento. As companhias estatais, portanto, podem perder espaço nos convênios diretos com os municípios.
Para a Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental), a medida pode interferir na estratégia de subsídios cruzados praticada pelas companhias estatais. Ou seja, cidades que têm infraestrutura e rentabilidade melhor acabam financiando com suas tarifas o avanço o saneamento de cidades menores.
Presidente da associação, Roberval de Souza diz não ser contrário à participação da iniciativa privada, mas que o texto da medida provisória traz risco ao avanço do saneamento. A associação fez a distribuição de adesivos contrários à nova proposta.
Ex-secretário nacional do saneamento e ex-presidente da Embasa (estatal baiana), Abelardo de Oliveira Filho também critica a medida provisória. “Hoje, nos Estado de São Paulo ou de Pernambuco, por exemplo, as cidades mais rentáveis financiam as regiões mais pobres, onde a necessidade de investimentos é maior. A nova organização mata essa estrutura. As companhias privadas obviamente vão se interessar pelas cidades mais rentáveis. O problema é que, sem essas cidades, as companhias estaduais não vão conseguir financiar o saneamento nas menos rentáveis. Ou seja, quem hoje é mal assistido vai piorar”, disse.
Roberto Tavares, presidente da Aesbe (Associação das empresas de saneamento básico estaduais) também engrossa o coro contra esse artigo do texto. Segundo ele, a mudança foi proposta ao governo federal pela Abcon (Associação Brasileira das Concessionárias Privadas dos Serviços Públicos de Água e Esgoto).
Paulo Roberto de Oliveira, vice-presidente da Abcon, afirma que o texto é fruto de uma conscientização do governo federal de que o saneamento precisa receber mais investimentos. A associação, ao lado de outras entidades, encampou durante o 8º Fórum a campanha intitulada “Somos Mais Saneamento”, em que dizem ser necessário modernizar o setor e repensar os modelos de prestação de serviços. “Se for ver o que evoluímos nos últimos dez anos com a lei foi praticamente nada”, afirma.
Para ele, a mudança passa pelo aumento da participação da iniciativa privada. “Hoje as companhias estaduais podem estabelecer com os municípios um contrato de programa sem passar por processo licitatório nem discussão de cumprimento de metas e prazos e valor de investimento. Mas em vez de ter uma prorrogação automática, que faça uma consulta pública. Isso vai abrir o mercado”.
Oliveira defende também que o texto volte a ser tocado como Medida Provisória, o que aceleraria mudanças no setor. Caso contrário, ele diz que a associação vai ao Congresso pedir que o texto tramite em regime de urgência.
Para ele, a campanha feita por entidades contra a mudança nos contratos “visa manter o status quo” e o “domínio das companhias estaduais”.
O texto que está sendo elaborado ainda prevê amenizar exigências no licenciamento ambiental para empresas de saneamento. (Folhapress)
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