O ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), pediu vista (mais tempo para analisar o caso) e a corte vai adiar a decisão sobre o alcance do foro privilegiado para deputados federais e senadores.
Os magistrados discutem como pode ser feita uma redução de foro privilegiado.
Eles manifestaram preocupação sobre o impacto dos processos que tramitam no Supremo ao serem remetidos para tribunais de instâncias inferiores.
Até agora, a maioria dos ministros -sete dos 11 que fazem parte do tribunal- votou por limitar o alcance do foro privilegiado para deputados federais e senadores.
Ainda faltam votar Celso de Mello, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski.
Não há prazo para Toffoli devolver o processo.
Restrição
Cinco ministros seguiram o voto do relator, Luís Roberto Barroso: Marco Aurélio, Rosa Weber, Edson Fachin, Luiz Fux e a presidente do tribunal, Cármen Lúcia. Para eles, o foro privilegiado no STF deve valer apenas para políticos acusados de crimes cometidos no exercício do mandato em vigor e relacionados a ele.
Alexandre de Moraes também defendeu limitar o foro, mas com uma mudança menor do que a proposta pelo colega.
Para ele, mesmo que o crime não tenha relação com o cargo, a autoridade deve ser processada no Supremo -por exemplo, em um caso de violência doméstica.
A mudança pode levar 90% dos processos penais no Supremo para outras instâncias, avaliam magistrados.
Assim, a alteração causará impacto direto nos inquéritos da Operação Lava Jato que hoje tramitam na corte e poderão ser remetidos a instâncias inferiores.
Hoje autoridades têm foro privilegiado na Justiça, a depender do cargo que exercem. O presidente da República, ministros e congressistas, por exemplo, só podem ser processados criminalmente pelo STF. Governadores, pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).
O caso analisado no STF começou a ser julgado em 31 de maio. O ministro Alexandre de Moraes pediu vista e devolveu o processo no fim de setembro.
Em novembro, Cármen Lúcia incluiu o processo na pauta.
Nesta quarta (22), às vésperas de STF retomar as discussões sobre o assunto, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados aprovou proposta de emenda à Constituição que restringe o foro privilegiado na Justiça aos presidentes da República (e o vice), da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal.
Para os ministros do Supremo, as decisões do tribunal sobre extensão do foro e a PEC que acaba com foro para a maioria dos cargos não são contraditórias.
Caso STF e parlamentares decidam de modo diferente sobre o foro privilegiado, vale a mudança determinada pelo Congresso.
Julgamento
O julgamento foi retomado nesta quinta-feira (23) com o voto de Moraes.
“Não há aqui margem para que se possa dizer que infrações penais comuns, que não sejam crimes de responsabilidade, praticadas por deputados e senadores não sejam de competência do Supremo Tribunal Federal”, disse Moraes.
Para Fachin, a prerrogativa não pode abranger quem, à época dos fatos, não era parlamentar.
“Noutras palavras, a ofensa a relação dos poderes só justifica a intervenção, seja do Legislativo, seja do Judiciário, se o ato for praticado no exercício das funções, durante o respectivo mandato. A corroborar essa conclusão deve-se ter em conta que a possibilidade de sustação do processo criminal, prerrogativa que compete a partido político perdura apenas enquanto durar o mandato”, disse Fachin em seu voto.
Cármen Lúcia disse que o foro da maneira atual caracteriza “situação de mutação constitucional, uma vez que foro não é escolha”.
“Prerrogativa não é privilégio”, afirmou a presidente do tribunal, em junho, quando votou.
Marco Aurélio criticou o vaivém dos processos nas diferentes instâncias da Justiça quando políticos assumem ou deixam o mandato.
“A Constituição enseja isso? Para mim, não. A fixação de competência, para mim, está atrelada à data do cometimento [do crime]”, disse, acrescentando que a prerrogativa de foro visa proteger o mandato.
“Já manifestei em mais de uma oportunidade, em sessão da Primeira Turma, que o instituto do foro especial, pelo qual não tenho a menor simpatia, mas que se encontra albergado na nossa Constituição, só encontra razão de ser para a dignidade do cargo, e não para a pessoa que o titulariza, o que evidencia, a meu juízo, a absoluta pertinência de uma interpretação no mínimo restritiva que vincule o instituto aos crimes cometidos no exercício do cargo e em razão do cargo”, afirmou Rosa.
Elevador processual
Hoje, se um cidadão sem mandato comete um crime e depois é eleito deputado federal ou senador, por exemplo, o processo que tramitava em primeira instância sobe para o STF. Quando esse mesmo cidadão deixa o mandato, se o processo não tiver sido concluído ainda, ele volta à primeira instância.
Essas idas e vindas entre diferentes instâncias da Justiça, que os ministros Barroso e Marco Aurélio chamaram de “elevador processual”, sobrecarregariam os tribunais superiores e atrasariam o desfecho dos processos, aumentando a chance de os crimes prescreverem (ficarem sem punição).
Os ministros discutem uma maneira de acabar com esse vaivém, mas de uma maneira que o fim do foro não sobrecarregue automaticamente as instâncias inferiores com milhares de processos.
“Temos preocupação muito grande com essas declinações de foro”, disse Fux.
Questão de Ordem
A análise do tema foi levada ao plenário por Barroso, como questão de ordem para o julgamento de um caso concreto, o do ex-deputado Marquinho Mendes (PMDB-RJ), acusado de compra de votos nas eleições municipais de 2008, em Cabo Frio (RJ).
O caso chegou ao Supremo em abril de 2015, após Mendes assumir, como suplente, mandato de deputado na Câmara. Ele deixou o cargo em abril de 2016 e o reassumiu em setembro para substituir Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que foi cassado.
Em outubro, Mendes se elegeu prefeito de Cabo Frio. Pela regra vigente, o processo contra ele teria que ter voltado a instâncias inferiores. Porém, como estava pronto para ser julgado no STF, Barroso decidiu discutir esse vaivém com os demais ministros.
Pela tese de Barroso, o caso de Marquinho Mendes nunca deveria ter tramitado no STF porque o crime de que ele era acusado foi em 2008, quando ele era candidato a prefeito, e não deputado.
“O sistema [atual] traz impunidade. Penso que impunidade, em geral, no Brasil, é decorrente de sistema punitivo ineficiente, não apenas aqui, que fez com que o direito penal perdesse seu principal papel, que é o de funcionar como prevenção geral. As pessoas não praticam crimes pelo temor de que vão sofrer consequente negativa. Criamos um direito penal que produziu um país de ricos delinquentes, porque são honestos se quiserem. Se não quiserem, não acontece nada. É preciso enfrentar esse sistema”, disse Barroso.
De acordo com o ministro, há 37 mil pessoas beneficiadas por algum tipo de foro especial no país, no STF, no STJ (Superior Tribunal de Justiça), nos TRFs (tribunais regionais federais) ou nos TJs (tribunais de Justiça nos Estados). (Folhapress)
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