“A luta continua!”, gritou Aécio Neves da Cunha ao agradecer os 64,3% de votos que tivera em São Paulo no segundo turno presidencial de 2014, a uma plateia eufórica no shopping Conjunto Nacional, em 14 de novembro daquele ano.
O tucano acabou o discurso e foi carregado, finalizando a noite em um jantar com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) no restaurante italiano Piselli, nos Jardins, onde foi aplaudido de pé pelos presentes. Seria uma consagração, não fosse após a derrota por meros 3,5 milhões de votos para Dilma Rousseff (PT).
No ano seguinte, a imagem se repetiu. Ora em restaurantes como o peruano Taypá, em Brasília, ora na arena de boi-bumbá de Parintins, cidade amazonense onde ele havia tido só 21,6% dos votos em 2014, Aécio era recepcionado como um popstar.
Na manhã de quinta (18), a fotografia do senador com olhos vidrados junto à janela de sua casa em Brasília, cabelo desgrenhado e barba por fazer enquanto a Lava Jato prendia sua irmã e mentora, Andrea, compunha imagem inimaginável há pouco mais de dois anos.
De homem que quase desalojou o PT do poder, o tucano passou a senador afastado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), réu e com pedido de prisão pendente.
A Folha de S.Paulo ouviu pessoas próximas de Aécio sobre esse processo, em reserva, e não conseguiu resposta do mineiro para falar sobre o tema.
Uma assessora próxima sentencia: a fama de 2014, quando saiu de uma campanha desacreditada para a quase vitória, turvou sua capacidade de avaliação.
Corroborando essa avaliação, um político que esteve com ele há menos de dois meses saiu do encontro convencido de que Aécio considerava que iria escapar ileso da Operação Lava Jato. Um outro parlamentar, que visitou Aécio na quinta, afirma que “a ficha caiu só agora”.
Na reunião de dois meses atrás, em Brasília, discorreu sobre a necessidade de aprovação do voto em lista e outros temas corrente.
E fez planos. Em vez de apostar em protegidos que não lhe fizessem sombra, como os fracassados Pimenta da Veiga (governo, em 2014) e João Leite (prefeito de Belo Horizonte, 2016), ele queria “um Doria” para disputas nacionais do PSDB.
Imposto pelo governador tucano Geraldo Alckmin (SP) como candidato tucano em 2016 à prefeitura paulistana, João Doria encarnava o “novo” e saiu do nada para uma vitória em primeiro turno.
Não que fosse um fã de Doria, de quem se aproximou. Em junho de 2016, vaticinou a colegas que o tucano ganharia a eleição, e que isso seria “uma cagada para o Geraldo, pois ele vai comê-lo”, como o precoce favoritismo do prefeito para a indicação do partido à Presidência em 2018 agora sugere.
Buscou sem sucesso a filiação dos amigos Luciano Huck e Bernardinho, técnico de vôlei que havia trocado o PSDB pelo Partido Novo, sigla que também busca atrair o apresentador global.
O revés lhe causou uma crise de autoestima –e isso antes de Huck apagar fotos suas com Aécio em redes sociais, após a quinta-feira.
De lá para cá, se retraiu socialmente, temendo hostilidade em restaurantes. Afastou-se de auxiliares que apontavam erros, ouvindo poucos, como o marqueteiro Guillermo Raffo, o economista Armínio Fraga e a irmã.
Nunca admitiu os problemas que se adensaram com a delação da Odebrecht, em 2016. Um observador nota que Aécio foi muito discreto durante o processo de impeachment de Dilma. Ele achava que era elegância; agora, crê que Aécio já entrevia seu próprio destino.
Faz sentido, se toda a gama de acusações em sete inquéritos contra ele for verdadeira. Se não antevia um pedido de prisão, viu esfarelar a intenção de voto presidencial, caindo de primeiro (26%) para quarto (8%) na corrida aferida pelo Datafolha entre 2015 e 2017. Se preparou para o inverno político admitindo uma candidatura a deputado no ano que vem.
Tal pragmatismo, encorajado por FHC, também o fez conduzir o PSDB à adesão ao governo de Michel Temer (PMDB). Já na posse do peemedebista como interino, quando Dilma foi afastada para ser julgada em maio de 2016, o mineiro surgia sorridente entre os ministros.
A ideia era apostar no sucesso de Temer e barrar a pretensão de Alckmin de ser presidenciável. Para tanto, aliou-se ao antigo adversário José Serra (SP) para sustentar a pinguela de Temer, designação dada por FHC à gestão.
Deu errado: Serra está tão enrolado quanto ele na Lava Jato, e os quatro ministros tucanos agora discutem se permanecem na Esplanada enquanto o peemedebista duela com a delação da JBS.
Esse mais recente capítulo das agruras de Aécio o derrubou, segundo amigos. Viu sua irmã e primo serem presos, além de ter divulgado um áudio comprometedor gravado por um acusado de crimes numa conversa aberta. Amadorismo ou soberba, classificam aliados.
Na quinta, ele lamentou a visitantes que foi “de uma ingenuidade absurda” ao falar com o delator Joesley Batista. Os mesmos interlocutores, porém, atestam que o tucano vivia em “extremo alheamento”. Não só ele. Nesta semana mesmo, Andrea planejava suas férias na Grécia.
Com a “ficha caída” aos 57 anos, Aécio terá de enfrentar um intrincado processo judicial, que pode levá-lo à prisão. A política, que o acompanha desde que o avô e mentor, Tancredo Neves (1910-85), o tirou do Rio aos 21 anos para “evitar as más influências”, fica para depois.
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