16 de dezembro de 2024
Publicado em • atualizado em 24/11/2023 às 15:01

Vida e vida de Batista Custódio

Foto: Reprodução Facebook
Foto: Reprodução Facebook

Tente encaixar Batista Custódio na realidade e você não vai conseguir. Ele é o mito do jornalista inabalável, que não se verga, que combate o combate dos ideais libertários e princípios altaneiros. Que importa se, no meio do caminho, os espinhos das dívidas trabalhistas, das gestões inflamadas nas reduções, dos feitos maiores que as pernas, que importa se tão miúdas fronteiras dos dias de chão e tinta espetam os fatos? Não há fato maior que Batista Custódio.

Batista era de se ouvir boquiaberto. Sua intensidade arrepiava. Quantas vezes fui ao seu encontro entusiasmado apenas com a oportunidade de olhar seu ímpeto subindo o tom e o vento do jardim que cultivava, os sonhos que afloravam de sua mente modernamente barroca. Sua voz acelerava meu coração com a força de um monjolo. E cadenciava com a vontade escorreita dos que vivem outra vida ainda, feito melado correndo pelo tacho e se transformando.

Eu ia, sentava, não falava nada, ia embora encharcado de impossibilidade, a mais retumbante o próprio Batista. O Diário da Manhã sempre foi um evento mágico. Caminhar pela redação, e caminhei pouco, era estabelecer uma conexão com a magia da profissão. Era sentir no peito o bom e o ruim do repórter, o fácil e o difícil da lindeza das pautas mínimas extraordinárias. Ali nada se perdia em banalidade ou esforço inglório. Havia sempre o espetacular mexendo com as dobras da razão. E a manchete, essa estonteante companhia das madrugadas.

Devo confessar que sou devoto leitor de Batista desde o primeiro dia que o conheci, ainda estudante. Seu estilo imponente, suas metáforas esplêndidas, a promessa compulsória desde o início de uma mensagem retumbante que se materializa como verbo, nem toda vez com aço e cimento. Seu vaticínio de fim dos tempos, mundo inculto, arpa da travessia dos céus e infernos. Sua esperança disfarçada nas entrelinhas, como o árbitro da salvação. Não perdia isso por nada.

Já recortei textos inteiros de Batista para desmascarar a poesia das frases ali contidas. Versos épicos, na provação do desejo. Porque não se via mais ali um ser por ser, e sim o ser por excelência buscando as grimpas dos clássicos e dos gestos. Em nenhum momento, vi Batista do tamanho humano. Todas as vezes, ele estava não só altivo, como no alto de um púlpito falando em nome das divindades. Usava sabedoria para alimentar os incautos.

Com o tempo entendi o que pra mim passou a fazer sentido. Batista jamais foi um entre nós. Batista só vive como personagem de nós todos, e de si mesmo. Batista não cabe na realidade. Ele não pode ser visto como quem anda desapercebido. Batista é uma obra interminável, um livro infinito sem conclusão e sem conclusões definitivas. Um homem com qualidades de autor que cria a si mesmo e o mundo em volta à sua imagem e semelhança.

Antes que o digam: Batista é um homem para exageros. Contraditório como a vida e a morte. Desamem sua história, se quiserem. Eu amo cada pedaço do que há. E não importa se o que há é a imaginação se sobrepondo à crueldade do elementar. É este Batista que vive em mim. O Batista que publicava notícias do esgoto, mas que também abria espaço ao sobrenatural, além deste plano. O Batista Batista, com seu cetro, sua aura e seu tridente. Meu Batista.

O que mais sei: não ouvirei mais “Vassiii”, quando o telefone tocar. Batista nunca deu bola para o ‘l’ no final do meu nome. O que faz todo sentido. Fica em paz, mestre. Hoje é para sempre.

Vassil Oliveira

Jornalista. Escritor. Consultor político e de comunicação. Foi diretor de Redação na Tribuna do Planalto, editor de política em O Popular, apresentador e comentarista na Rádio Sagres 730 e presidente da agência Brasil Central (ABC), do governo de Goiás. Comandou a Comunicação de Goiânia (GO) e de Campo Grande (MS).