Sem lenço e sem documento
É engraçado ver algumas pessoas cobrando coerência nas composições de chapa e organizações de campanha.
“Fulano, que coordenou a campanha de Beltrano, está agora com Cicrano – viu que absurdo!”
Não, não vi. Absurdo é o eleitor cobrar isso e outras avenças – como campanha sem caixa 2 – e ele, ao mesmo tempo, ser taxativo: “Estou decepcionado com a política. É tudo a farinha do mesmo saco. Tô revoltado: vou votar em quem pagar mais.”
Então, tá. Revoltado com quem compra voto, o indivíduo decide vender o seu.
Não há coerência dos políticos na mesma proporção que não há da parte dos eleitores.
Na cobertura jornalística, é recorrente a cobrança por isenção profissional. Ok. Isso é importante, de fato.
O problema é que nunca encontrei eleitor que soubesse verdadeiramente dar parâmetros disso.
Porque o que reclama que um comentário ou edição está pendendo para um lado, é alguém que está na campanha ou é torcedor do outro lado.
Nunca vi isenção de quem cobra e ‘fiscaliza’ a isenção alheia. Bem assim. Só rindo.
Curioso também que o mesmo cidadão que se mostra horrorizado por Fulano ter coordenado a campanha de Beltrano e estar agora com Cicrano, tem opinião convicta de que todo mundo deve agir de forma profissional.
Coisa natural hoje em dia, entendem. Quem pagar, leva o serviço. Não é assim que tudo funciona? Coisas do capitalismo.
Certo. Mas isso só vale para ele, porque a simples lembrança de Fulano faz o cara retomar todo o discurso de inabalável convicção moral.
Comportamento. Valores.
Eis o que permeia tudo. Valores elevados, comportamento idem. Valores pequenos…
Parece que preferimos ver nos políticos o que não enxergamos em nós mesmos.
Em nós, apenas virtudes; neles, nada menos que todos os defeitos do mundo – e além!
Nós enxergamos os políticos como vidraça, quando na verdade devíamos considerar a possibilidade de que eles são espelho.
Seria um primeiro passo para mudar a realidade. Para mudar definitivamente a política para melhor.
Eis um tema para muita conversa. Aqui, um ponto.
Melhorando-nos como eleitores, melhoramos nossos políticos.
Vassil Oliveira
Jornalista. Escritor. Consultor político e de comunicação. Foi diretor de Redação na Tribuna do Planalto, editor de política em O Popular, apresentador e comentarista na Rádio Sagres 730 e presidente da agência Brasil Central (ABC), do governo de Goiás. Comandou a Comunicação de Goiânia (GO) e de Campo Grande (MS).