06 de agosto de 2024
Publicado em • atualizado em 26/07/2024 às 15:29

Pescadora fake

Foto: Luana Cardoso
Foto: Luana Cardoso

Como bióloga e defensora dos animais, nunca entendi muito bem práticas esportivas que usam de bichinhos para diversão humana. A pescaria era uma delas. Como pode alguém se entreter esperando um peixe puxar a isca e depois lutar cabo de guerra com o infeliz até que algum dos dois ganhe? Além de tedioso, achava uma crueldade sem tamanho com o pobrezinho. Até que me convidaram para uma pescaria esportiva e só de curiosidade, fui. 

Quando criança, frequentei algumas poucas pescarias no rio. Todas elas por obrigação e falta de escolha. Logo me cansava de ficar esperando o peixe puxar a isca de minhoquinha no anzol. Era chato, muito parado e precisava fazer silêncio, coisa que eu não conseguia. E se não pescasse, não comia, já que nas pescas de acampamento da minha infância o objetivo era comer o peixe no final, bem assado na fogueira. Na minha cabeça de adulta, seguindo a escala predatória, aquela pescaria da infância era válida, afinal de contas, o peixe seria bem usado depois. Só nunca entendi o pega e solta da pesca esportiva. 

No dia da pesca esportiva no lago, já de cara percebi que a brincadeira era séria, quando vi o arsenal de coisas. Quatro varas, uma para cada tipo de peixe, cinco tipos diferentes de iscas comestíveis, linhas de diferentes cores, carretilhas, molinetes, anzóis próprios para a modalidade esportiva e uma pá de outras coisas que nem sei os nomes. No começo, só de observar os pescadores percebi que estava inserida num universo completamente novo. É só pegar a tralha de pesca e botar a roupinha com proteção solar que entram todos numa bolha. Um mundo particular. As personalidades todas se transformam. O competidor mais temido: o colega ao lado que pesca mais – e esfrega isso na sua cara. O principal adversário – além do próprio ego: o peixe. 

As primeiras tentativas foram frustrantes. Os peixes não estavam muito interessados nas iscas testadas. Alguns até mexeram na linha, mas logo soltavam. Como alguém que encosta a língua pra ter uma prévia do sabor e depois muda de ideia sobre a refeição. Até que descobriu-se a isca favorita da vez: uma bolinha que imitava uma ração presa ao anzol junto a rações de verdade colocadas em uma bóia. Ao comer a ração de verdade, os distraídos puxavam sem querer a ração falsa. Vapo! Era fisgado.  

Até esse momento estava achando meio chato, assim como a pesca no rio. Era tentativa e erro. Não pegava nada, puxava-se a linha de volta, tentava outra isca ou outro lugar do lago e jogava de novo. Só que tudo mudou quando a linha ficou tensa, a vara ficou pesada e começou a envergar. “Acho que pegou, hein?”, disse meio incrédula, já sem muita fé na coisa toda. “Acha? Peguei, uai. E esse é dos grandes”, me respondeu o pescador mais obcecado que já vi na vida. 

A partir desse momento, entendi de onde vem toda a graça da coisa. A adrenalina começa na tentativa de acertar a predileção da isca da vez. Depois na briga contra o bicho. No puxa de lá e puxa de cá, vence quem for mais forte. Ao conseguir arrastar o peixe, com todas as técnicas necessárias – porque sim, é preciso ter jeito com a coisa – a  parte mais difícil, além de puxar, caso seja um exemplar muito grande e pesado, é dar conta de tirá-lo da água. Atenta, prestei bastante atenção na explicação do pescador, porque a minha função de “copiloto de pesca” seria ajudar na retirada, sem perder o peixe e ferrar com todos os processos anteriores.

Com o passaguá, teria que passar a rede na cabeça do peixe quando o pescador conseguisse trazê-lo para a bordinha. Consegui! Com muito suor e esforço, o peixe foi para a rede e o botamos em um tapetinho para retirar o anzol, fotografar o momento e então voltá-lo para o lago. 

Nessa parte meu coração doeu. Mesmo sendo bióloga e entendendo que peixes não sentem dor como nós, não conseguia administrar o fato de que ele teve que lutar contra a tensão e força que vinham contra, para não ficar sem respirar, e ainda ter o incômodo de algo pontudo em sua boca. Um estresse sem tamanho, coitadinho. Cometi o erro de olhá-lo nos olhos. Um “ser humaninho” de olhos gigantes, que me olharam de volta antes de escorregar para a água. 

Apesar de sentir muito pelos peixes daquele lago, consegui entender também toda a sensação que a pesca esportiva causa nas pessoas. Não as normais, como eu, mas nos obcecados, que ficam absortos na adrenalina de conseguir usar a isca certa, pescar o peixe mais grande, ganhar dele na força e admirar a espécie após a alegria de retirá-lo da água e, então, tentar um maior e de uma espécie mais rara. Isso tudo, aliado à competitividade de ter mais tentativas bem sucedidas que o colega ao lado. Assim, sucessivamente, uma tarde se passa num piscar de olhos. Os meus ficaram presos no olhar daquele peixe. Entendi que, mesmo agora, compreendendo a prática que pode ser feita com total respeito ao bicho, certos esportes não são para mim, que tenho muita dó e pouca força nos braços.

Luana Cardoso Mendonça

Jornalista em formação pela FIC/UFG, Bióloga graduada pelo ICB/UFG, escritora e eterna curiosa. Compartilho um pouco do mundo que eu vejo, ouço e vivo, em forma de palavras, afinal, boas histórias merecem ser contadas