Livros infantis, apesar de fofos e, aparentemente inocentes, não são inofensivos para adultos. Percebi isso ao ler um livro infantil e, pasme, chorar com ele, tamanha profundidade dentro de 10 páginas, com três frases cada uma, cercadas de desenhos fofos. Para minha surpresa, causou mais comoção do que os romances dramalhões que costumo ler por lazer. Parecia inocente, mas não era.
Obras feitas para crianças tocam a alma. Nos fazem voltar a infância, só que com vivências adultas e uma pá de experiências inconscientemente guardadas. Nas páginas sucintas com ilustrações cativantes se escondem explicações riquíssimas, até para os adultos mais céticos e fechados. O livro infantil traz uma forma bonita e, nem sempre leve, de mostrar como a vida é. Remonta explicações que raramente conseguimos dar às crianças, e nem a nós mesmos.
Entre os infantis que me acertaram em cheio está o “A parte que falta”, de Shel Silverstein. O pequeno livro, lido em uma sentada, retrata a nossa constante busca por preenchimento de espaços vazios, sobre como frequentemente sentimos falta de algo na vida, da nossa incessante necessidade de estarmos repletos de algo externo. Tudo isso, explicado por uma bolinha que, rolando e rolando por aí, busca completar a parte que falta de si, sem saber que ela, por si só, já se completa. De uma riqueza e sutileza tão belos que nos faz refletir sobre o que de fato nos falta e o que tanto buscamos fora, que nos faz esquecer de olhar para dentro.
Outro livro, na categoria infantis tocantes que me marcaram, está “O pato, a morte e a tulipa”, de Wolf Erlbruch. O escrito infantil aborda de forma lúdica a chegada da morte. Com personagens reais, como o pato e a flor, mostra uma nova visão do fim, do luto e da partida. Temas pesados, profundos e difíceis de abordar, mas que fazem refletir com delicadeza e, assim, de forma branda, dão o insight que os adultos precisam para entender certas coisas.
Acho que, muito mais do que ajudar a falar destes assuntos com as crianças, nos ajuda também a elaborar processos internos, que como adultos, aprendemos a guardar em lugares que raramente acessamos. Curiosamente, a escolha do livro infantil nem sempre é consciente, já que o folheamos despretensiosamente, como uma presa que não se dá conta do predador à espreita. Somos pegos de surpresa porque não esperamos que algo tão singelo possa ser tão profundo e tocante.
Antes de ler um livro infantil: cuidado! Sua visão da vida pode ser profundamente mudada por um brochura de bolso com desenhos fofos e palavras tocantes. Podem ser feitos para crianças, mas quem escreve é um adulto, que, disfarçado na ótica infantil, traz pensamentos e vivências de quem já viu e sentiu muito da vida. Parece inocente, mas não é.