A Rádio França Internacional (RFI) divulgou análise da jornalista Gina Marques, de Roma, que alerta para os cuidados com a crise “purificadora”. “Como a Mãos Limpas, a Lava Jato não garante que o país não será melhor no futuro”, disse ela.
A jornalista analisa outros pontos sobre o tema, no site da RFI:
“A operação Mãos Limpas, que aconteceu nos anos 1990 na Itália e inspirou a Lava Jato do juiz Sérgio Moro, provocou uma implosão da política italiana, mas não conseguiu eliminar a corrupção do país.
Apesar das semelhanças entre as duas operações, há também grandes diferenças. Na Itália as investigações começaram em 1992 e desvendaram um esquema de corrupção sistêmica. As propinas das grandes empresas eram destinadas principalmente ao financiamento ilícito dos partidos, e não só ao enriquecimento individual de determinados personagens políticos.
Na época, a Mãos Limpas acabou derrubando os principais partidos de centro-direita, entre eles a Democracia Cristã e o Partido Socialista Italiano, que estavam no poder desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Outra diferença está na grande dimensão da operação italiana: foram quase 3 mil mandados de prisão, mais de 6 mil pessoas investigadas, incluindo 872 empresários e 438 parlamentares.
Na Lava Jato são cerca de 500 pessoas e empresas sob investigação, além de 57 políticos e 156 réus na Justiça Federal do Paraná. Portanto, são diferentes épocas (em 1992 não havia internet, por exemplo) e dimensões.
A operação Mãos Limpas se baseava também na delação premiada. Mas, no Brasil, a figura do colaborador de Justiça na Itália não se configura da mesma maneira. Essa técnica de investigação surgiu na Itália e serviu principalmente para combater a máfia e o terrorismo, mas não cancela a pena. A Itália não prevê benefícios para quem colabora no campo da corrupção, mas podem ser concedidas atenuantes genéricas, um acordo para reduzir a pena. Já no Brasil, os benefícios variam de perdão judicial, redução da pena em até 2/3 e substituição por penas restritivas de direitos.
Implosão política na Itália
Essa implosão política na Itália teve consequências perversas. Emergiram duas forças políticas altamente rompedoras: o partido populista Forza Italia, do milionário Silvio Berlusconi que entrou na política para salvar a si mesmo e o seu império em perigo, depois da queda do seu protetor político, o líder do partido socialista Bettino Craxi. Surgiu também a Liga Norte, um grupo conservador, xenófobo e separatista do norte da Itália que queria a independência do país.
O debate politico foi tomado, por um lado, pelo populismo de Berlusconi, magnata da mídia, proprietário de jornais e redes de televisão. Do outro, pela intolerância da extrema-direita da Liga Norte. Aproveitando que a esquerda italiana já estava em crise desde a queda do Muro de Berlim, as coalizões de governo no país se tornaram mais difíceis. Esse sistema durou de 1994 à 2011, quase 20 anos nos quais Berlusconi, o homem mais poderoso da Itália, entrou em guerra contra o Judiciário e transformou a dialética política numa questão pessoal”.
Operação se desfarelou pela morosidade da Justiça
A operação Mãos Limpas durou cerca de quatro anos e se desfarelou por uma série de fatores: a morosidade da Justiça, tempo de prescrição dos crimes e, principalmente, o apoio popular. Um ex-promotor público da Mãos Limpas, Gherardo Colombo, numa recente entrevista, explicou que, no começo da operação, as pessoas faziam filas para denunciar casos de corrupção.
Quando eles começaram a descobrir que se tratava de um fenômeno ramificado, no qual até o pequeno comerciante pagava uns trocados ao fiscal para não revelar a sua contabilidade em desordem, o apoio popular foi se perdendo. Resultado: até hoje a corrupção na Itália não foi eliminada.
Continuamente emergem novos escândalos, não mais de financiamento ilícito dos partidos, e sim dos indivíduos. Sobre o Brasil, os especialistas italianos alertam: cuidado com esta crise purificadora. Assim como a Mãos Limpas, a Lava Jato não garante que o país será melhor no futuro: mostra só que o passado era pior do que se pensava.
Altair Tavares
Editor e administrador do Diário de Goiás. Repórter e comentarista de política e vários outros assuntos. Pós-graduado em Administração Estratégica de Marketing e em Cinema. Professor da área de comunicação. Para contato: [email protected] .